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09/03/2004 - A Alca, o Mercosul e a Arbitragem Jornal: Gazeta Mercantil - Seção: Legal
& Jurisprudência
9/3/2004 Conteúdo: Muitas vezes escutamos os descontentamentos
e as agruras de quem se vale do atual sistema Judiciário brasileiro.
Privilégio não só de nosso País, mas de outros que deixaram de
incentivar formas alternativas de composição de interesses. Em recente pesquisa divulgada pelo STJ (Superior
Tribunal de Justiça), onde se procurou mensurar o grau de satisfação de
quem se vale do Judiciário, chegou-se ao resultado de apenas 28% de
aprovação, o que por si só demonstra a insatisfação de nossa
sociedade com os serviços de Justiça colocados à disposição do cidadão.
A velha expressão "tarda mais não falha" há
muito foi substituída por "tarda e muitas vezes falha". O que
impera em nosso Judiciário é o barbante, os carimbos, grampos, muita
poeira, burocracia e lentidão. Com 2,5 milhões de ações em curso em
todo o País, contamos apenas com 12,5 mil juízes para impulsioná-los.
Assim, não é de se estranhar que algumas ações levem, muitas vezes,
mais de 20 anos para uma decisão definitiva, além do vilão que é a
excessiva burocracia judiciária. Uma lei federal (9.307/96 – Lei de arbitragem) pode,
e muito, contribuir para a desobstrução do Poder Judiciário, uma vez
que instituiu, de maneira judicial, a arbitragem em nosso ordenamento jurídico.
O instituto jurídico da arbitragem faz parte das chamadas ADRs, ou seja,
formas alternativas de solução de conflitos, onde cabe à sociedade
solucionar seus litígios, por meio de um terceiro (árbitro), sem a
interferência do Estado. Desde nossa primeira Constituição de 1824 (Constituição
do Império), possuímos em nosso ordenamento referido instituto jurídico.
Porém, somente com o advento da Lei Federal 9.307/96 é que a arbitragem
adquiriu força judicial (artigos 17,18 e 31). Mais recentemente demos um grande passo em direção à
modernização das relações das partes que buscam soluções dinâmicas,
econômicas, ágeis, flexibilizadas, e sobretudo, mais justas, ao
ratificarmos a Convenção de Nova Iorque (Decreto 4.311 de 23 de julho de
2002), aplicando-se, no que couber, ao reconhecimento e à execução de
sentenças arbitrais estrangeiras proferidas no território de um Estado
que não o Estado em que se tencione o reconhecimento e a execução de
tal sentença, tornando sem efeito o Protocolo de Genebra (1923) e a
Convenção de Genebra (1927). A grande inovação, porém, quando falamos de
arbitragem (ADRs), ocorreu em 4 de junho do ano passado, com o decreto
4.719, onde o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram acordo sobre
Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, uniformizando a organização
e o funcionamento da arbitragem internacional nos países membros do
bloco, contribuindo para a expansão do comércio regional e
internacional. Uma das novidades é o tratamento eqüitativo e não-abusivo
aos contratantes, em especial aos contratos de adesão, privilegiando-se a
boa-fé. A validade formal da convenção arbitral (forma pela qual se
vincula ao instituto jurídico da arbitragem) se regerá pelo direito do
lugar de celebração, podendo as partes eleger o direito que se aplicará
para solucionar a controvérsia. A possibilidade de adoção de medidas cautelares pelo
tribunal arbitral ou pela autoridade judicial competente é, sem dúvida
alguma, um dos grandes avanços legais que o referido decreto incorporou,
resguardando assim direitos das partes que porventura estejam em risco. O tão sonhado Mercosul adquiriu fôlego novo ao
assinar referido acordo, uma vez que empresários (grande, médio ou
pequeno) que se valem do comércio internacional, no âmbito do Mercosul,
não mais dependem das estruturas arcaicas dos Poderes Judiciários
locais, podendo livremente solucionar seus litígios em câmaras arbitrais
de diversos países, com regulamentos próprios e de acordo com a legislação
internacional de comércio, como bem veio regulamentar o Protocolo de
Olivos, que objetiva a solução de controvérsias no âmbito do Mercosul.
O protocolo estabelece em seu âmbito de aplicação
que as controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a
interpretação, aplicação ou não cumprimento do Tratado de Assunção,
do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco
do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das
Resoluções do Grupo de Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de
Comércio do Mercosul serão submetidas aos procedimentos estabelecido no
Protocolo de Olivos. Seguindo este raciocínio, o Brasil conta com câmaras
arbitrais de primeiro mundo, pois desde a promulgação da Lei 9.307, em
setembro de 1996, mais de cem câmaras entraram em funcionamento em todo o
País, onde, desde então, administraram mais de 20 mil procedimentos
arbitrais (dados oficiais do Conima - Conselho Nacional de Instituições
de Mediação e Arbitragem). Teve especial desempenho o Caesp (Conselho
Arbitral do Estado de São Paulo), que administrou, em quatro anos de
atividades, mais de 14 mil casos, nas mais diversas áreas do direito
(civil, comercial, consumidor, trabalhista e internacional), atuando em 22
Estados do País por meio de câmaras itinerantes. A ratificação da Convenção de Nova Iorque e,
recentemente, o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do
Mercosul representam uma alternativa econômica, ágil e eficaz frente ao
tradicional sistema judiciário das Américas. A Área de Livre Comércio
das Américas (Alca) se enquadra perfeitamente dentro deste raciocínio,
pois, com tantos temas em debate, tais como acesso a mercados,
agricultura, compras governamentais, investimentos, direitos de
propriedade intelectual, serviços, dumping, entre outros, preocupa-se em
especial com a forma de solução de conflitos, onde encontramos e
destacamos a arbitragem comercial. Sabemos que os benefícios do acordo serão
condicionados ao nível de compromissos e disciplinas assumidos pelos países,
posição compartilhada pelo México, o que reflete o preço já pago pelo
país para acessar o mercado americano. Muito se fala em busca de um equilíbrio
apropriado de direitos e obrigações que permitam aos países colherem os
benefícios de seus respectivos compromissos, ao lhes facilitar negociações
plurilaterais dentro de uma Alca, como deseja o Brasil, mais flexível. A solução dos problemas provocados pelo comércio
internacional, ou mesmo local, encontram dinâmica diversa, tecnologia jurídica
de ponta, onde o que importa é a rápida prestação de serviços de
administração de justiça, devolvendo à sociedade sua cidadania,
independência, justiça, e sobretudo, harmonização de seus conflitos,
colocando assim o Brasil entre o bloco de países desenvolvidos e
comprometidos com ideais sérios, responsáveis, bem como com a igualdade
de toda a sociedade. kicker: No Judiciário, a expressão "tarda mais não
falha" foi substituída por "tarda e muitas vezes falha" Cássio Telles Ferreira Netto -
Advogado especialista em direito administrativo e presidente do CAESP
(Conselho Arbitral do Estado de São Paulo).
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