07/01/2004 - São Paulo pode usar cláusula arbitral em contratos de estatais

Fonte: Jornal Valor Econômico: Seção Legislação e Tributos

Autor: Zínia Baeta, de São Paulo

Justiça privada Projeto piloto, que institui a arbitragem na solução de conflitos comerciais, será feito na Sabesp 

A arbitragem está crescendo e ganha importância no Brasil. Um bom exemplo disso é a possibilidade do Estado de São Paulo de adotar o instituto na solução de possíveis conflitos em transações comerciais de empresas públicas. A idéia parte da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, que pretende desenvolver um projeto piloto com a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). "Se der certo podemos estender a experiência para as demais empresas públicas", afirma o secretário de Justiça, Alexandre Moraes. De acordo com ele, o projeto já foi submetido ao departamento jurídico da companhia, que foi favorável à adoção do instituto e agora aguarda a análise da Procuradoria Geral do Estado (PGE).

A arbitragem seria aplicada em problemas surgidos na contratação de terceiros, como de uma obra, por exemplo. A medida não se aplica ao consumidor final, que adquire a água. Segundo o secretário, se o método alternativo de solução de conflitos vier a ser adotado, nos editais de licitações das empresas públicas constarão cláusulas prevendo a aplicação da arbitragem para possíveis problemas que surgirem no futuro contrato.

Moraes acredita que a adoção da arbitragem é uma forma de colaborar para o "desafogamento" do Judiciário - cujo número de processos aumenta a cada ano, sem que o número de juízes acompanhe essa demanda - e de oferecer uma solução mais rápida aos envolvidos nas desavenças surgidas a partir desses contratos comerciais.

A advogada Selma Ferreira Lemes, do escritório Selma Lemes Advogados Associados, classifica o projeto da secretaria como uma visão de vanguarda do governo paulista, principalmente em uma questão controversa como esta. Segundo ela, há quem entenda que a arbitragem não seria aplicável a conflitos do Estado, pelo fato de o instituto só poder ser utilizado nos chamados direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aquilo que pode ser transacionado na área comercial. Selma afirma, entretanto, que se for uma questão contratual, de caráter eminentemente privada, não haveria problemas para a adoção do procedimento pelo Estado.

O advogado Cássio Telles Ferreira Netto, presidente do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp), defende o mesmo ponto de vista. Segundo ele, ao negociar com um particular, o Estado realiza um contrato privado que pode utilizar a arbitragem. "O contrato de aluguel de um prédio, por exemplo, ou a dúvida em relação a um contrato de construção podem perfeitamente ser dirimidas pela arbitragem", diz. Netto afirma que a Lei de Licitações não determina se a Justiça para a solução de controvérsias surgidas nos contratos deve ser pública ou privada, o que abre uma brecha para a aplicação do método. Além disso, ele diz que a Lei de Concessões Públicas determina que, nos contratos de concessões públicas, deve-se buscar primeiramente formas amigáveis para a solução de problemas. Para o advogado, tanto a mediação quanto a arbitragem são formas amigáveis, exceto o Judiciário. Netto afirma que a adoção da arbitragem pelas empresas públicas seria maravilhosa, pois o Estado gasta tempo e dinheiro público em infindáveis discussões no Poder Judiciário que seriam mais rápidas na arbitragem. De acordo com ele, o tempo médio de uma demanda na esfera arbitral varia de 15 dias a 180 dias na fase de conhecimento, contra os dois anos a cinco anos da fase de conhecimento da Justiça comum. O advogado diz que desconhece a adoção do procedimento por outros Estados, mas que o Caesp mantém contrato com algumas entidades públicas para solução de controvérsias na área trabalhista.

Estado adotará centros de mediação

De São Paulo

A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo pretende implantar nos seis Centros de Integração da Cidadania (CIC) existentes no Estado - quatro na capital - escritórios de mediação comunitária de conflitos. A secretaria quer capacitar membros da comunidades a solucionarem problemas que surjam entre os moradores da região. A primeira experiência está sendo desenvolvida na zona Leste da capital.

Segundo o secretário da Justiça, Alexandre de Moraes, entre outubro e o início de dezembro do ano passado o escritório realizou 123 atendimentos, cujos temas variam da cobrança de condomínio ao barulho promovido pelo vizinho, batidas de veículos e reconhecimento de paternidade. De acordo com Moraes, o diferencial da experiência é que todos os 29 mediadores do CIC da zona Leste foram escolhidos pela própria comunidade, o que garante maior legitimidade. Os representantes freqüentaram um curso preparatório durante seis meses e terão a missão de ajudar as partes a chegarem a um acordo. Moraes afirma que a idéia é implantar os escritórios em todos os centros até o fim do primeiro semestre deste ano.

Para o secretário, os escritórios facilitarão o acesso da população à Justiça. "Muita gente que não procuraria a Justiça para solucionar seus problemas, em função da demora e por não ter dinheiro para contratar um advogado, vai poder resolvê-los pela mediação", diz. Em outro projeto desenvolvido pela secretaria, Moraes afirma que estuda-se a possibilidade de transformar os 900 juízes de paz do Estado em mediadores. A função deles seria a de atuar em cartórios de registro civil. (ZB)

Método é incentivado com Código Civil

De São Paulo

O novo Código Civil foi um fator propulsor da arbitragem no Brasil no ano passado. Não que exista alguma recomendação da nova lei em relação à arbitragem, mas, em função da necessidade de modificar seus contratos sociais e de adaptá-los à legislação, muitas empresas aproveitaram para incluir nos seus contratos a cláusula arbitral.

O exemplo é citado pelo advogado Luís Fernando Queiroz, sócio do Manhães Moreira Advogados Associados. Segundo ele, 50% de seus clientes que adaptaram seus contratos ao novo Código Civil adotaram a cláusula arbitral. "Recomendamos sempre a arbitragem, pois se trata de um método mais rápido que a Justiça e sigiloso", diz. Segundo Queiroz, ele ainda não recomenda o instituto para os clientes de menor porte, porque a arbitragem pode custar mais cara que a Justiça. Mas, para ele, o barateamento da Justiça privada é só uma questão de tempo. "Com o aumento da demanda e quando as câmaras enxergarem o nicho das empresas de menor porte, a tendência será o baratear", afirma.

O assessor jurídico do Tribunal Arbitral do Comércio de São Paulo, Mauro Cunha Neto, afirma que o tribunal foi eleito, em pelo menos 200 contratos no ano passado, para solucionar possíveis controvérsias. Segundo ele, essas empresas escolherem o tribunal ao incluírem a cláusula arbitral em seus contratos modificados em função do novo código. O presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, o advogado João Bosco Lee, afirma que a ratificação, pelo Brasil, da Convenção de Nova York em 2002 - principal acordo mundial sobre arbitragem - foi um fator que colaborou para o crescimento do instituto no país. (ZB)

 

 

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