26/11/2003 -Conciliação, Arbitragem e Meio Ambiente

Fonte: Jornal do Comércio - Rio de Janeiro - Seção: Direito & Justiça

Conteúdo: Paulo de Bessa Antunes

Advogado (Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores), Doutor em Direito.

A Lei de Arbitragem (no 9.307/1996 ) suscita intensas divergências quando se trata de litígios envolvendo o meio ambiente. A começar pelo seu artigo 1o , que autoriza o recurso à arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A interpretação desse artigo tem levado muitos juristas a considerar que a arbitragem não é aplicável a questões referentes ao meio ambiente, sob o argumento de que este integra o rol dos interesses difusos e, em tal condição, indisponíveis.

Fundamenta-se essa assertiva no fato de que tais interesses, por pertencerem à coletividade, não poderiam ser transacionados ou abdicados. Ao mesmo tempo, a doutrina jurídica reconhece unanimemente a lentidão das ações judiciais referentes à proteção ambiental. Sabe-se também que são questões complexas, envolvendo matéria técnica de alta indagação, dificuldade na produção de prova e muitas outras questões.

No mundo real, a indisponibilidade de direitos difusos tem levado à criação do conceito de obrigatoriedade da ação civil pública (ACP), a menos que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) capaz de antecipar os resultados de uma provável procedência seja firmado entre as partes. Nas ACP ambientais o ponto crucial é a concessão, ou não, de uma medida liminar ou de uma tutela antecipada, dependendo daí o êxito da demanda. A "indisponibilidade" funda-se no ingênuo pressuposto de que tais direitos são mais bem protegidos se não forem "disponíveis". Na prática, tal doutrina leva ao perecimento dos direitos difusos (indisponíveis), pois justiça ambiental que não se faça célere, injustiça é.

A existência de "direitos indisponíveis" em matéria ambiental é um elemento com validade apenas na ordem jurídica interna, pois no plano internacional o Brasil aceita tranqüilamente a existência de arbitragens - e outros meios pacíficos - para diferentes questões ambientais. Aliás, a incorporação de diferentes convenções ambientais ao direito brasileiro faz com que a matéria ambiental não seja considerada " indisponível" para fins de arbitragem.

O artigo 98 do Código Tributário Nacional determina que tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna. Ora, uma vez que o direito ambiental se fundamenta em compromissos internacionais firmados pelos países, a analogia é válida. Existe na legislação brasileira a previsão de incorporação dos tratados internacionais ao nosso direito interno, inclusive estabelecendo seu relacionamento com as "leis internas". Ademais, a legislação ambiental é específica, e como tal deve ser interpretada em relação à Lei de Arbitragem, guardando-se as determinações do § 2o do artigo 2o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.

Não se pode pretender a aplicação do artigo 1o da Lei de Arbitragem, vez que os Tratados e Convenções Ambientais, expressamente, admitem a arbitragem e a conciliação. Não se pode ter um direito simultaneamente disponível (ordem internacional) e indisponível (ordem interna).


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