06/10/2003 -TST quer fim das Comissões de Conciliação

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo - Seção:Dinheiro


Conteúdo: Fausto, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, afirma que as CCPs são caixa-preta e criaram justiça paralela

DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Francisco Fausto, vai defender no Fórum Nacional do Trabalho a extinção das Comissões de Conciliação Prévia (CCPs), que foram criadas para resolver conflitos entre patrões e empregados.

"Se forem corrigidas as irregularidades, as comissões poderiam funcionar. Não acredito mais nisso", disse, em entrevista à Folha.

O TST constatou que, em Manaus (AM), há conciliadores que recebem até R$ 50 mil por mês. O dinheiro que circula entre as comissões, segundo o ministro, já é comparável ao do tráfico de entorpecentes.

Uma sindicância do tribunal está para ser concluída.

(FÁTIMA FERNANDES E CLAUDIA ROLLI)

Folha - Como surgiram as CCPs?

Francisco Fausto - De uma idéia de um grupo de ministros do TST. Eles pensaram em desafogar a Justiça do Trabalho.

Folha - Por que as comissões se tornaram uma "justiça paralela"?

Fausto - Porque, com a extinção da representação classista pela PEC [Projeto de Emenda Constitucional] 29, os juízes classistas que tiveram influência na tramitação desse projeto das comissões no Congresso conseguiram afastar o juiz trabalhista das decisões finais de homologação nos acordos e, com isso, dominaram totalmente as CCPs. Hoje, essas comissões existem sem nenhuma fiscalização ou regulamentação.

Folha - O que o TST pode fazer para moralizar as CCPs? E o governo?

Fausto - O TST tem feito discurso porque, na verdade, essa é uma iniciativa de natureza política. O governo pode propor ao Congresso um novo projeto para retomar a idéia inicial, que ele próprio teve, e que foi deturpada na tramitação do Legislativo.

Folha - A CCP é uma forma de flexibilização das leis trabalhistas?

Fausto - Não. A CCP não tem nada a ver com a flexibilização da legislação trabalhista. O que elas fazem é uma nova forma de jurisdição, extrajudicial.

Folha - O sr. defende a extinção das comissões de conciliação?

Fausto - Sim, porque houve distorção do projeto original. Se fosse retomado o projeto original, seria uma forma de ajudar na solução dos processos trabalhistas.

Folha - O sr. acha que deveriam existir penas mais rigorosas para quem descumprir a lei das CCPs?

Fausto - Não temos, na prática, uma lei que regula as comissões. Se continuarem cobrando taxa do trabalhador para remunerar os conciliadores, o que é proibido por portaria do Ministério do Trabalho, deveria haver punição.

Folha - Qual a sua proposta?

Fausto - Defendo que as comissões sejam registradas no Ministério do Trabalho. Se continuarem com práticas irregulares, defendo a cassação do registro.

Folha - Se a cobrança de taxas fosse proibida, as CCPs não atuariam de forma mais honesta?

Fausto - Não tenho dúvidas. Creio que, no máximo, o que se pode fazer é a remuneração paga pelo orçamento próprio das entidades sindicais. A portaria do ministro Paulo Jobim diz que a comissão não pode cobrar do trabalhador percentuais sobre o valor acordado. Isso é uma balela, porque, em último caso, quem está pagando é o trabalhador, dentro do seguinte esquema: se o empregador tem R$ 500 para dar ao trabalhador e tem de pagar R$ 100 de despesas processuais, ele só oferece R$ 400 ao trabalhador. A portaria do ministro Paulo Jobim não comina pena alguma para quem cometer irregularidades.

Folha - O sr. já declarou que alguns conciliadores recebem mais de R$ 50 mil mensais de remuneração nessas comissões e que as CCPs só perderiam em fonte de arrecadação ilícita para o tráfico de entorpecentes. É isso mesmo?

Fausto - Temos investigações em andamento. Estamos recebendo informações dos tribunais regionais para formalizar um relatório final sobre as CCPs.

Folha - O sr. já encontrou conciliador que recebe R$ 50 mil por mês?

Fausto - Já, em Manaus.

Folha - Como o sr. vê o fato de muitas empresas encaminharem as rescisões de contrato de trabalho para as CCPs?

Fausto - É mais uma distorção. A lei não deu às CCPs o poder de homologar rescisões contratuais. As comissões, no entanto, fazem homologações de rescisões contratuais, valendo-se também da eficácia liberatória [ao fazer um acordo na CCP, o trabalhador assina um termo que dá quitação de direitos trabalhistas], que impede que o trabalhador recorra mais tarde à Justiça.

Folha - As fraudes praticadas pelas CCPs podem prejudicar a União?

Fausto - Sim. Porque, na Justiça do Trabalho, arrecadamos anualmente cerca de R$ 700 milhões em Previdência Social e mais um punhado de reais de Imposto de Renda. E isso não está sendo cobrado pelas CCPs.

Folha - O TST tem autonomia para punir essas falsas comissões?

Fausto - Não temos poder nenhum sobre as comissões. Isso cabe ao Ministério do Trabalho.

Folha - As CCPs podem ser extintas na reforma trabalhista. Essa é uma proposta do TST?

Fausto - Seria a proposta do TST, se não forem corrigidas as irregularidades até lá. E eu acredito que não serão corrigidas.

Folha - A nova lei trabalhista prometida pelo governo Lula pode mexer com as CCPs?

Fausto - Creio que pode mexer com as comissões, dentro desse propósito de que a jurisdição trabalhista é mais justa com os direitos dos trabalhadores.

Folha - O sr. declarou que a CCP é uma fonte ilícita de arrecadação e que só perde para o jogo do bicho. O sr. tem algum documento que mostre o quanto elas arrecadam?

Fausto - Não, as CCPs são uma caixa-preta.

Folha - Até quando vai perdurar esse tipo de corrupção?

Fausto - Enquanto o governo não tomar uma providência de ordem prática e eficiente.

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