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02/9/2003 -Os procedimentos arbitrais e as funções dos advogados Fonte: Valor Econômico A figura do profissional do direito
moldada no causídico de outrora, treinado exclusivamente para os embates
forenses e que atuava em todas as áreas do direito, é figura em extinção.
As mudanças operadas na sociedade, o ritmo frenético do desenvolvimento
tecnológico, das comunicações, da internet e as exigências do mercado
de trabalho passaram a traçar um novo perfil para o advogado. As academias ainda perfilham grades curriculares
utilizadas na formação do bacharel de 50 anos atrás, que não se
coadunam com as necessidades atuais. Urge mudança estrutural que preserve
a herança jurídica existente, mas adaptada aos novos tempos. É
justamente na academia jurídica que devem encontrar paragens o diálogo
da renovação e da mudança de paradigmas, da ciência conformadora para
a ciência transformadora apregoadas pelo sociólogo português Boaventura
de Souza Santos. O profissional jurídico precisa conscientizar-se da
necessidade de alterar sua maneira de agir, buscando novos conhecimentos e
reciclando os antigos. Afinal, não foi difícil passar da máquina de
escrever para o computador. Facilmente nos adaptamos e hoje é impossível
trabalhar sem ele. Do profissional do direito espera-se que, além de ter
o sólido conhecimento jurídico obtido com o mergulho nos livros e
tratados e das práticas forense e consultiva, seja também um
profissional plugado na sua área de atuação. Assim, por exemplo, se
atuar na advocacia empresarial, é importante que conheça outras áreas
afins, tais como comercial, gestão financeira, administrativa etc, posto
que, quando consultado sobre alguma conduta a ser adotada, não pode ficar
adstrito apenas ao modelo legal de enquadrar o fato à norma legal. Deve
sentir, analisar os fatos e circunstâncias, sopesar os reflexos sociais,
econômicos e financeiros e, adstrito à lei, oferecer e compartilhar a
solução mais viável para a empresa. Além das habilidades inerentes,
deve ser, sobretudo, um humanista. É neste cenário que se insere o advogado atuante em
arbitragem. O treinamento recebido para os embates forenses, as
ferramentas processuais utilizadas, entre elas os infindáveis recursos
processuais, não se coadunam com a prática arbitral. Deve deixar a
armadura de gladiador para o foro e utilizar a vestimenta de cavalheiro do
século XXI, tornando-se um negociador, um pacificador. No bom sentido,
carece de uma desintoxicação forense. Compete ao profissional um papel de colaboração
efetiva na obtenção da rápida solução da demanda arbitral. Todavia,
na prática, ainda se verifica despreparo deste profissional, que
desconhece a abrangência e eficácia dos conceitos arbitrais. O
informalismo presente causa-lhe estranheza, posto que aferrado aos ritos e
formas da processualística judicial. Na arbitragem se trabalha com princípios
jurídicos, mais do que com regras processuais. Para tanto, basta observar
que a Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307/96, não possui uma linha sobre o
rito processual a ser observado. A lei fixa os princípios jurídicos
indeclináveis: a igualdade de tratamento das partes, o direito de defesa
e a livre convicção do árbitro. As regras a serem dispostas pelas
partes ou nos regulamentos das instituições arbitrais a estes princípios
devem ater-se, sob pena de nulidade da sentença arbitral proferida. A arbitragem exige dos advogados imensa parcela de
colaboração, pois antes e durante a condução do processo as atividades
e deliberações são sempre consensuais. A lei não exige que a
propositura da demanda arbitral seja efetuada por advogado, mas é
praticamente impensável conduzir um processo arbitral sem ele. As
dificuldades são enormes, as partes conturbam o processo e dificultam a
tarefa do árbitro, trazendo à baila questões irrelevantes, agravada com
a evidente falta de destreza na condução do processo. Na arbitragem o advogado é freqüentemente chamado a
atuar como árbitro, mas, nesse momento, seu papel e postura são
diferentes, pois deve estar imbuído da imparcialidade e da independência
inerentes à emissão de um julgamento justo. Apesar da atividade de árbitro ser franqueada a outros
profissionais, é normal que em tribunais arbitrais (a arbitragem com mais
de um árbitro) um dos árbitros seja advogado, incumbindo-se, inclusive,
da elaboração da sentença arbitral. A arbitragem representa mercado de trabalho em ascensão
para o advogado que estiver preparado, pois a tendência é de cada vez
mais as questões empresariais serem dirimidas neste foro especializado.
Nele, o advogado terá presença permanente, haja vista seu mister
indeclinável de colaborar na administração da justiça. Rui Barbosa, na
insuperável Oração aos Moços (de leitura obrigatória a todos os
profissionais jurídicos), que adaptamos, asseverou: "Na missão do
advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se
entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na
resultante: a justiça. Com o advogado, justiça militante. Justiça
imperante, no árbitro." Este é o último de uma série de 10 artigos sobre
arbitragem publicada nesta página. Selma
Ferreira Lemes é coordenadora e professora do curso LLM de Direito
Arbitral do IbmecLaw em São Paulo, membro da comissão relatora da Lei de
Arbitragem e advogada e mestre em direito internacional pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP) |