01/9/2003 - Difusão de métodos alternativos de solução de controvérsias, cria novo campo de atuação do Direito. Mediação e Arbitragem

Fonte: Valor Econômico
Autor: Marco Maciel

Um dos objetivos do processo de modernização, importante em termos de mudança social mas pouco percebido pela própria sociedade, é a diminuição da tutela do Estado e conseqüente aumento dos poderes da cidadania. Exemplos significativos dessa transformação podem ser encontrados no Código de Defesa do Consumidor, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Arbitragem, que, por suas implicações, se insere em questões mais amplas de interesse geral como o funcionamento do Poder Judiciário e a modernização institucional do Estado brasileiro.

O ministro Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, em entrevista à "Folha de S. Paulo", de 14 de maio de 1995, sintetizou o desafio do Poder Judiciário afirmando: "Não há juízes, não há dinheiro, mas é preciso pensar objetivamente a realidade. (...) O processo jurídico tradicional é lento, quase que inevitavelmente lento. E caro. Então, precisamos subtrair dessa máquina tradicional do Judiciário, essas peculiaridades".

Devemos reconhecer que a generalização dos juizados de pequenas causas é, sem dúvida, uma inovação constitucional vitoriosa. A despeito de ser um desafogo para a Justiça, o Juizado de Pequenas Causas continua sendo uma instituição decisória no âmbito do Poder Público.

O instituto da arbitragem como via coadjuvatória da prestação jurisdicional por parte do Estado - cuja lei é resultante de projeto de minha autoria -, contudo, é algo ainda mais avançado, pois não transfere o litígio de uma instituição estatal para outra de igual natureza. Vai mais além: passa a solução dos litígios do âmbito público para o âmbito privado; subtrai as questões da tutela do aparelho judicial do Estado; e está produzindo, a meu ver, um passo decisivo na emancipação da sociedade em relação ao Estado - sem qualquer custo para o erário.

O "Estado de S. Paulo", em sua edição de 18 de maio, traduz o desafio do Judiciário em números: "O Brasil pediu por Justiça 12,07 milhões de vezes em 2002 - é este o volume de ações propostas nas diversas instâncias do Judiciário, na União e nos Estados. Nos últimos 12 anos, o brasileiro bateu 113,7 milhões de vezes às portas dos tribunais, como aponta o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. De 2000 para cá, foram 3,5 milhões de ações, média de 1 milhão por mês, trinta mil todo dia". Ainda na mesma matéria, com base em rastreamento feito por um economista, o advogado Ricardo Tosto estimou que o peso da Justiça morosa alcança anualmente, valores equivalentes a 2% ou 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Muitas questões, entretanto, agora estão sendo resolvidas por processo arbitral, conforme informa o Valor Econômico na edição de 8/8: "Os procedimentos instaurados nos centros de arbitragem do Brasil foram apenas dez em 1996, ano de publicação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307). Saltaram para 4.402 em 2001, segundo um levantamento do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), com 95 instituições".

Indo além dos números, o Valor revela que "a difusão dos métodos alternativos de solução de controvérsias, como a arbitragem, a mediação e a negociação, está criando um novo campo de atuação para profissionais do Direito"; informa que as empresas brasileiras estão optando pela utilização de cláusulas de arbitragem em seus negócios; e estima que, no campo internacional, 99% dos contratos elejam o mecanismo.

As razões que levam a essa opção estão relacionadas ao fato de a arbitragem ser uma via rápida, barata e sigilosa, mas há outra circunstância que não deve ser esquecida: nos casos do comércio internacional, que envolvem empresas, fornecedores e consumidores de diversos países, são bastante conhecidas as dificuldades que existem na busca de soluções judiciais do Estado. A tendência do Direito em cada Estado é fazer prevalecer a lei, a jurisprudência e a doutrina em favor dos seus nacionais, o que amplia necessariamente o âmbito desses conflitos. Por isso, o Juízo Arbitral é a solução ao mesmo tempo mais eficiente, mais justa e mais barata nesses casos.

O Brasil está intensificando o seu comércio exterior e ampliando as suas relações econômicas e financeiras, com a abertura econômica que data já de alguns anos. Mais do que isto, estamos participando ativa e fecundamente do Mercosul e avançando na direção de criarmos um bloco econômico de toda a América do Sul. Tudo isso sem mencionar a futura Alca, que pretende integrar todo o continente americano e o de um novo bloco econômico que busca todos os países da América do Sul e os acordos em andamento entre o Mercosul e a União Européia. Portanto, é de se supor que as questões multilaterais ou bilaterais, nestes tempos de globalização, tendem necessariamente a se expandir, a se intensificar e a se generalizar. E foi por essa razão que tanto na reunião de Ouro Preto quanto no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991, optou-se pelo Juízo Arbitral para a solução das controvérsias no âmbito do Mercosul.

Por último, mas não menos importante, devemos observar o caráter amplo, difuso e abrangente permitido pelo arbitramento e pela mediação, como instrumentos de solução não só de controvérsias jurídicas, mas também de toda a natureza. O "arbitramento" foi um instrumento largamente utilizado por diferentes países nas controvérsias internacionais entre os Estados, envolvendo, sobretudo, questões históricas de posse e domínio dos territórios contestados.

Todos devem estar lembrados do lado arbitral do Papa João Paulo II, no caso do Canal de Beagle, entre a Argentina e o Chile, que evitou um conflito armado entre as duas nações. O Brasil mesmo, é bom lembrar, resolveu questões graves de suas fronteiras com o recurso à arbitragem internacional. Na questão de Palmas, com a República Argentina, ambos os países concordaram em submeter suas demandas ao laudo arbitral do presidente dos EUA que, por sinal, deu ganho de causa aos direitos reclamados pelo Brasil. O segundo caso relevante foi o das pretensões francesas na Amazônia, suscitadas na demarcação de limites da Guiana com o nosso país, igualmente submetido a um árbitro internacional, o presidente da Confederação Suíça, em que mais uma vez tivemos sancionados nossos direitos e, por fim, as questões de limites com a Guiana Inglesa, resolvidas pelo Tratado de Arbitramento de 6 de novembro de 1901.

É importante, pois, que se consolide em nosso país a mediação e a arbitragem e, para tanto, é necessário que governo e sociedade continuem a desenvolver a indispensável cultura desse promissor instituto.

Marco Maciel é senador (PFL-PE) e autor da Lei de Arbitragem. "

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