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29/8/2003 - O uso da medida cautelar no procedimento arbitral Fonte: Valor Econômico A Justiça estatal e a Justiça
arbitral têm como objetivo comum a distribuição da justiça. A interação
entre o juiz togado e o árbitro se manifesta de diversas formas e nas três
fases da arbitragem. Na fase prévia, quando, diante de cláusula vazia
(aquela que não tem os requisitos mínimos), necessita do auxílio para
instituir judicialmente a arbitragem. Durante o procedimento arbitral, na
indicação de árbitro substituto, para ouvir testemunha que se recusa a
comparecer ao tribunal arbitral, e na fase de execução da sentença
arbitral, quando condenatória. Também o auxílio do Judiciário é
solicitado por ocasião da necessidade de cumprimento obrigatório de
medida cautelar prévia ou no curso da arbitragem. As medidas cautelares são providências de urgência
adotadas para assegurar um direito, propostas antes ou no curso do
processo arbitral ou judicial, quando presentes as condições legais,
tais como o perigo de dano com a demora e a probabilidade da existência
do direito invocado. A legislação anterior não previa a possibilidade de
o árbitro atuar na área, que dependia do Judiciário para decretar e
executar a medida cautelar. Porém, com a nova sistemática introduzida
pela Lei nº 9.307/96, o árbitro passou a contar com a possibilidade de
decretá-la. Todavia, não pode executá-las, pois é atividade adstrita
ao juiz estatal. O árbitro tem jurisdição, mas não podem exercer a
constrição peculiar de um juiz. Diante da necessidade de se obter uma
medida cautelar de urgência, a parte pode solicitá-la ao árbitro, mas
se houver resistência no acatamento do determinado, o árbitro deverá
encaminhar solicitação de execução ao juiz togado. A relação que se
estabelece entre o juiz togado e o árbitro não é de subordinação, mas
de complementação e colaboração. A forma de operacionalizar essa solicitação seria
como se o árbitro enviasse um ofício, ou como ocorre quando um juiz de
uma comarca solicita ao juiz de outra localidade que proceda a citação
de réu ou que adote alguma providência na área de sua jurisdição. Pode ocorrer que essa medida cautelar de urgência
precise ser adotada na fase prévia da arbitragem, quando ainda não foi
solicitada a instauração do processo ou quando o tribunal arbitral ainda
não esteja constituído. Neste caso, a parte interessada encaminhará
solicitação diretamente ao juiz estatal, que poderá apreciar a solicitação
e o seu deferimento. Em seguida, notando que a lei determina a propositura
da ação principal no prazo de 30 dias, deverá, em conseqüência,
propor a demanda arbitral. A solicitação prévia da medida cautelar não
representará renúncia à arbitragem nem é incompatível com ela. Há dispositivo na Lei de Arbitragem que suscita equívoco,
mas que deve ser dissipado com o bom senso necessário para interpretar a
lei. Refere-se ao artigo da lei que determina que a arbitragem está
instituída quando o árbitro exara sua aceitação. Todavia, pode ocorrer
que as providências iniciais para instituir a arbitragem tenham sido
adotadas, mas o prazo de 30 dias tenha escoado em decorrência das providências
e dificuldades em indicar e nomear árbitro, pois a lei exige o
cumprimento de certos requisitos que pode demandar algum tempo, ocorrendo,
às vezes, substituições. Todavia, a Lei de Arbitragem, ao dispor que a
arbitragem está instituída a partir da aceitação dos árbitros, está
a se projetar, a princípio, para o futuro, não para o passado. Desde que
adotadas as providências para instaurar a arbitragem, o provimento
judicial que concedeu a medida liminar perdura, pois, a par do que ocorre
na demanda judicial, é com a propositura da ação que este requisito está
preenchido. Assim, a medida cautelar terá eficácia mesmo que o tribunal
arbitral não esteja constituído naquele prazo. Ademais, a parte não
pode ser prejudicada por um fato que foge ao seu controle. No direito comparado, situação peculiar ocorre na
Espanha, em que a lei de arbitragem nada dispõe sobre as cautelares prévias
ou coetâneas com o procedimento arbitral. O Judiciário daquele país, ao
receber solicitação de medida cautelar, a defere normalmente, mesmo na
ausência de lei específica, aplicando os princípios jurídicos do seu
ordenamento legal. Considera o Judiciário espanhol que a arbitragem
constitui opção consensual das partes, com o fim de resolver a controvérsia,
e não há razão que justifique tornar pior a condição a quem assume
referida opção, impedindo-as de obter a tutela judicial em relação a
medidas assecuratórias do resultado do procedimento arbitral. Assim é que o renomado professor francês Bruno
Oppetit, em estudo comparativo entre a Justiça estatal e a Justiça
arbitral observou que entre elas há "dualidade de legitimidade, mas
comunhão de ética e de fim; diversidade de vias e de meios, mas unidade
funcional; paralelismo, mas também convergência." Selma Ferreira Lemes é coordenadora
e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em São Paulo,
membro da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em
direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP) |