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26/8/2003 - A jurisprudência brasileira sobre o uso da arbitragem
Fonte: Valor Econômico "O Judiciário recepcionou
positivamente os princípios da arbitragem no Brasil" O principal pilar da arbitragem, bem como o sustentáculo
de todas as leis, é a segurança jurídica, que no Estado democrático de
direito constitui atributo do Judiciário, o intérprete primeiro das
leis. A jurisprudência gerada será o guia para sua aplicação e utilização.
Carlos Maximiliano, em obra precursora de interpretação legal, salientou
que "a segurança jurídica, objeto superior da legislação, depende
mais dos princípios cristalizados em normas escritas do que da roupagem
mais ou menos apropriada em que se apresentam." A Lei nº 9.307/96, ao regular o instituto jurídico da
arbitragem, introduziu no ordenamento nacional novos princípios e
conceitos que ainda demandarão algum tempo para serem devidamente
assimilados pela comunidade jurídica. Assim, não constituiu surpresa
que, de chofre, a Lei de Arbitragem estreou com alguns dispositivos
questionados no Supremo Tribunal Federal (STF), que, dissecando-os, selou
de modo irrefutável e vanguardeiro a constitucionalidade da lei. Entre
outras matérias, o julgado referendou o efeito vinculante da convenção
de arbitragem (cláusula compromissória e compromisso) e a eficácia da
cláusula arbitral cheia. Reconheceu que quando as partes fornecem os
elementos para dar início à arbitragem, havendo resistência da outra
parte e diante de cláusula compromissória que elege uma instituição
arbitral para administrar o procedimento, não há a necessidade de
acorrer ao Judiciário para institui-la, pois isso só seria necessário
se a cláusula arbitral nada dispusesse a respeito (cláusula arbitral
vazia). Os Tribunais de Justiça de São Paulo e de Brasília
exararam entendimentos idênticos, bem como diversos precedentes de
primeira instância, pois os juízes, ao depararem com a alegação da
existência de cláusula compromissória, consideram-se impedidos para
analisar a demanda, remetendo as partes à arbitragem. Todavia, ainda que
esporadicamente, esse entendimento encontra resistência, pois alguns juízes
aplicam equivocadamente o conceito da lei revogada e negam eficácia à cláusula
compromissória, declarando-se competentes para apreciar a matéria. Mas,
seguramente, quando estas questões chegarem às instâncias superiores
serão revistas. A concessão de medidas liminares prévias à instauração
da arbitragem e o entendimento que a ação principal será a propositura
da demanda arbitral, bem como que não há incompatibilidade entre as instâncias,
são questões que, com serenidade, os juízes monocráticos têm
aquiescido. Ainda, demonstrando perfeita sintonia com o princípio
da atenuação do formalismo processual na arbitragem, o Judiciário
fluminense, na pena da juíza Márcia de Carvalho, da 44ª Vara Cível,
brilhantemente acentuou que "o princípio da eliminação da controvérsia,
que autoriza os árbitros, muito mais livres do que os juízes de direito,
a empreenderem várias medidas, entre elas conferências pessoais com as
partes, buscando a melhor solução para o caso, ainda que não jurídica,
pois se o que as partes pretendessem fosse uma solução arraigada ao
direito, dentro do formalismo processual, optariam pela jurisdição pública.
Exatamente visando atingir o fim estipulado neste princípio, é que foi
prolatada a decisão nos termos em que se encontra, pois se não a controvérsia
continuaria a existir. É também esse princípio que determina que a
jurisdição pública seja cautelosa ao declarar a nulidade de sentença
arbitral, pois não se trata de uma decisão que colocará fim ao litígio
existente entre as partes, mas será, ao contrário, decisão que a
restaurará." Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro. Porém, ainda não temos entendimento uniforme quanto
à aplicação temporal da lei, isto é, para contratos que elegeram a
arbitragem antes da vigência da nova lei. O entendimento predominante é
o de aplicar a lei em vigor no momento da instauração da arbitragem.
Similar é o entendimento unânime do STF quanto à homologação e
reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, aplicáveis,
inclusive, para os processos em curso. Também, ainda perduram decisões quanto à arbitragem
no setor público, que provavelmente serão revistas pelas instâncias
superiores, já que desalinhadas com a norma legal e os tratados
internacionais vigentes. A jurisprudência arbitral não é originária somente
dos tribunais estatais, mas também deflui dos tribunais arbitrais,
coligida em compêndios e revistas, especialmente no exterior,
representando norte orientador para os profissionais da área. Os
precedentes da Corte de Arbitragem Internacional (CCI), em Paris, por
exemplo, freqüentemente são invocados nas sentenças arbitrais, citados
por seus números, haja vista que a identidade das partes é mantida em
sigilo. Enfim, após quase sete anos de vigência da Lei nº
9.307/96, os precedentes mencionados demonstram que o Judiciário, com
descortino, recepcionou positivamente os princípios e conceitos que deram
novas roupagens à arbitragem no Brasil. Este é o oitavo de uma série de 10 artigos sobre
arbitragem a ser publicada nesta página. Selma Ferreira Lemes é coordenadora
e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em São Paulo,
membro da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em
direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP) |