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15/8/2003 -
O uso da arbitragem nas relações trabalhistas A era da automação e da internet
veio acompanhada de mudanças profundas em todos os setores da economia, entre
eles o do mercado de trabalho. Hoje, não se amoldam ao sistema os rígidos
contratos de trabalho patrocinados por uma legislação trabalhista pseudo
protetiva, que, por não acompanhar a realidade, exclui de suas benesses
contingente imenso de trabalhadores. O empreendedor, para manter regularmente
seu negócio, tem que arcar com pesadíssima carga tributária, trabalhista e
previdenciária, que impede a contratação de trabalhadores. Neste cenário caótico
que demanda reforma estrutural urgente, o legislador faz ouvidos moucos e tenta
solucionar a questão em doses homeopáticas com a flexibilização
constitucional na revisão de salário e jornada de trabalho, por meio de acordo
ou convenção coletiva, inclusive prevendo a arbitragem e a Lei nº 9958/00,
que trata da conciliação prévia. O legislador, na forma como disciplina a matéria
trabalhista, incentiva o conflito em vez de ser agente pacificador e difusor da
negociação entre o capital e o trabalho. A norma legal deveria apenas regular
o mínimo necessário e estabelecer os princípios jurídicos que conduziriam as
negociações. A Justiça seria a guardiã da legitimidade dos acordos firmados.
No atual sistema todos os lados são vítimas e ao
mesmo tempo vilões desta situação, pois com ela se conformam, se adaptam e
tiram vantagens. Em decorrência, o Judiciário trabalhista recebe mais de dois
milhões de novas ações por ano, recepcionadas em 1.100 Juntas do Trabalho em
todo o país. As audiências iniciais são designadas para quase um ano depois e
a intervalos de cinco minutos. Quem já teve a experiência de percorrer os
corredores da Justiça do Trabalho terá a impressão, no mínimo, que está em
um manicômio judiciário. Os acordos são alinhavados fora das salas de audiências,
apregoados como em leilões, direitos são aquinhoados em cifras. Dos olhos
vendados de Têmis, a deusa da justiça, lágrimas escorrem. Neste cenário surge a arbitragem, renovada pela Lei nº
9.307/96, que singelamente oferece a possibilidade de solucionar conflitos que
envolvam direitos patrimoniais disponíveis fora do Judiciário. Atualmente é a
área em que a arbitragem mais se prolifera. Em centros de arbitragens idôneos,
que se dedicam também à área laboral - bem aparelhados, com profissionais
capacitados, que oferecem ao trabalhador assistência gratuita de advogado,
quando necessário, e que contam com a participação do representante sindical
da categoria -, as sentenças arbitrais são expedidas quase sempre em um mês.
O Conselho Arbitral de São Paulo (Caesp), que atua em 22 Estados, contabiliza
quase dez mil demandas arbitrais solucionadas desde 1999. Destas, mais de seis
mil foram causas trabalhistas que, em 90% dos casos, são resolvidas na primeira
audiência, marcada no máximo dez dias depois da apresentação da demanda. A
sentença arbitral que declara o acordo é expedida no ato. A grande maioria das demandas é solicitada pelo
empregador, com a finalidade de resolver rapidamente a questão. São dezenas de
empresas que mantêm convênios com o Caesp. A Escola da Magistratura do
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2º região, por exemplo, mantém com o
Caesp convênio para treinar estagiários, futuros advogados para a área. Os árbitros
des ta instituição são advogados com mais de dez anos de prática e outros
profissionais que atuaram em departamentos de recursos humanos de empresas. As sentenças arbitrais são cumpridas, na quase
totalidade, espontaneamente. Por vezes, há resistência da Caixa Econômica
Federal (CEF) em liberar o FGTS determinado na sentença arbitral, mas por meio
de mandado de segurança impetrado pelo trabalhador o juiz federal determina o
imediato acatamento da sentença arbitral pela CEF. Podem ser submetidas à arbitragem as matérias
laborais pecuniárias, com exceção às que se referem às normas de segurança
e medicina do trabalho, que envolvam o trabalhador menor e outras áreas sensíveis.
As questões mais freqüentes são horas extras e saldo de salários. O Judiciário trabalhista tem
outorgado a segurança jurídica necessária à arbitragem. Em julgamento
ocorrido na 5º Junta de Conciliação e Julgamento de Campinas, que versava
sobre matéria arbitral, o juiz presidente Luiz Martins Junior foi incisivo:
"As louváveis iniciativas sindicais profissional e patronal, visando a dar
assistência à autocomposição dos conflitos de interesses surgidos entre seus
representados, ou, na frustração desta, a promover a heterocomposição mais célere
desses mesmos conflitos, mediante a instalação da Câmara Arbitral Setorial,
longe de implicar ofensa à Constituição, se fazem decorrentes de uma visão
moderna e futurista da sociedade, propiciadoras da evolução pessoal e
fortalecedoras do senso de responsabilidade social de cada cidadão
trabalhador." Irmãs gêmeas, a Justiça estatal e a Justiça
arbitral caminham juntas e contribuem para o aperfeiçoamento de nossas instituições
jurídicas. Este é o quinto de uma série de 10 artigos sobre
arbitragem a ser publicada nesta página. Selma Ferreira Lemes é coordenadora
e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em São Paulo, membro
da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em direito
internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
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