11/8/2003 - Direito Ambiental e a realidade brasileira

Fonte: Gazeta Mercantil
Autor: Rosana Siqueira Bertucci

Os problemas ambientais estão "na ordem do dia" e as soluções têm sido objeto de dedicação por parte dos mais variados ramos da ciência, entre elas, a do Direito. Neste caso, o objeto da tutela do Direito Ambiental se traduz na qualidade de vida como bem ambiental de natureza jurídica, reconhecido pela Constituição, e por normas infraconstitucionais que o definem e regulamentam. O bem ambiental é tratado em suas diversas facetas: natural (águas, ar, solo, fauna e flora); artificial (espaço urbano construído), cultural (patrimônio histórico, artístico, paisagístico etc.) e do trabalho (relação empregado/ambiente do trabalho).

O Brasil se destaca por apresentar legislação ímpar no tratamento da questão, não só no seu aspecto material como também processual. Além disso, tem em seu texto constitucional uma preocupação com a inserção do tema nas normas infraconstitucionais, sempre tratado de maneira abrangente. Essa postura foi seguida pelos instrumentos normativos infraconstitucionais, notadamente no trato do bem ambiental, seguindo os Princípios de Direito Ambiental aceitos internacionalmente em razão das Conferências da ONU realizadas em Estocolmo (1972) e no Rio de Janeiro (1992). Esses princípios visam desenvolver, de forma sustentável, a participação dos envolvidos ou interessados, a prevenção aos danos e a responsabilização dos agentes causadores de danos.

Os instrumentos preventivos e repressivos estão, no nosso sistema legal vigente, dispostos de tal forma que, tanto na esfera jurisdicional quanto na não jurisdicional, os problemas ambientais podem ser objeto de tutela eficaz e poderiam ser evitados ou dirimidos se a aplicabilidade desses comandos não enfrentasse problemas das mais variadas naturezas (política, estrutural, econômica e burocráticas, entre outras). É neste diapasão que defendemos a adoção da arbitragem na solução de conflitos ambientais, como forma de equacionar as controvérsias relativas ao tema e aos possíveis envolvidos, em estreita consonância com os ditames constitucionais e a aplicabilidade real dos princípios de direito ambiental anteriormente mencionados.

A arbitragem ambiental não é tema totalmente novo porque já existe no Direito Comparado a adoção deste instrumento em casos concretos. Também no Brasil encontramos precedentes – embora ainda tímidos – nesse sentido. A maior prova de que a conciliação e arbitragem "devem" – e não "podem" – ser adotadas na seara ambiental está na constituição da "Corte Internacional de Arbitragem Ambiental" (International Court of Environmental Arbitration and Conci-liation) com sede em San Sebastian (Espanha), independente e apoiada pelas Nações Unidas. É composta por professores de nacionalidades diversas, inclusive do Brasil. Tem por objeto a solução pacífica de conflitos ambientais e, como entes provocadores os governos, as organizações não governamentais, institutos e empresas, além de pessoas físicas (www.iceac.saranet.es). Apóia-se em princípios, tratados e normas de direito ambiental internacional e emite pareceres, de caráter consultivo, aos casos levados à Corte.

No Brasil, o precedente de maior destaque é o caso ocorrido em Minas Gerais, no qual figuraram o Ministério Público (conciliados), a empresa Fiat Automóveis e a SEMA/SP. Foi levada ao conhecimen-to do primeiro a fabricação de veículos em suposto desacordo com as normas relativas à emissão de poluentes. Em síntese, para dar respaldo ao compromisso assumido entre as partes, o Ministério Público Estadual encaminhou a solução obtida, mediante a arbitragem, ao Conselho do Ministério Público local e ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

Há, contudo, uma discussão que se inicia sobre a possibilidade de adoção da arbitragem ambiental no Brasil, em razão do disposto no artigo 1º da Lei nº 9.307/96. Ele diz ser esta uma forma de solução de conflitos que envolvam direitos de natureza patrimonial disponíveis. Neste sentido, por ser o bem ambiental de natureza indisponível, não caberia a aplicação da mencionada medida para esses casos. E, por conseqüência, a ausência de dispositivo em sentido contrário acarretaria um óbice à sua aplicação. Todavia, este posicionamento não merece prosperar, pelos fundamentos que ora apresentamos – e acreditamos devam ser considerados como incentivadores da adoção da arbitragem ambiental. De fato, a Lei de Arbitragem em questão não se aplica aos litígios que envolvam interesses de natureza indisponível. Mas esse argumento não é suficiente para a não-adoção da arbitragem na solução dos conflitos que tenham por objeto qualquer natureza de bem ambiental.

A ausência de norma legal que regule a matéria também não se apresenta como argumento válido, em razão de existir, sim, em nosso sistema normativo, previsão nesse sentido. É o caso do Decreto 2.519, de 16 de março de 1998, que promulgou a Convenção sobre a Diversidade Biológica, um dos documentos elaborados por ocasião da Conferência do Rio de Janeiro (ECO 92). Nesse decreto estão previstas a arbitragem e a mediação para a solução de controvérsias entre as partes contratantes. É indiscutível a natureza ambiental do bem objeto de tutela da Convenção. Em seu texto, define como "diversidade biológica" a "variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e complexos ecológicos de que fazem parte. Compreende ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas."

Em seu artigo 27, o decreto prevê e incentiva expressamente a adoção de medidas de negociação, mediação e arbitragem entre as partes contratantes no que diz respeito à interpretação ou aplicação da Convenção. Essas partes compreendem os Estados ou organizações ali descritas que venham a ratificar, aceitar, aprovar ou aderir à Convenção. Especificamente no Anexo II, Parte 1, da Convenção, estão descritos os procedimentos para a adoç ão da arbitragem (artigos 1º ao 17º) e na parte 2, os relativos à conciliação (artigos 1º ao 6º).

Com este precedente e com a certeza de que dirimir conflitos na seara ambiental por meio de arbitragem ou conciliação tende a ser uma maneira ágil e eficaz de solucioná-los, além de meio inquestionável de se evitar as morosas demandas judiciais que envolvam a matéria, podemos categoricamente afirmar positivamente pela adoção da arbitragem ambiental no Brasil. E, nesta linha de raciocínio, estaríamos, efetivamente, aplicando os princípios norteadores do Direito Ambiental, notadamente o da prevenção ou precaução e o da participação.

Para concluir, acreditamos, ainda, que qualquer um dos legitimados ativos para propor medidas ou ações judiciais em defesa do meio ambiente (a exemplo dos legitimados para propor Ação Civil Pública – art. 5º da Lei nº 7347/85) pode ser uma das partes, quando tiverem a intenção de evitar ou reparar danos ao meio ambiente provocados por agentes poluidores. Para isso, é necessário uma câmara ou tribunal de mediação e arbitragem que tenha em seus quadros árbitros especializados no assunto, a exemplo do que já ocorre no Conselho Arbitral do Estado de São Paulo. Finalmente, é importante ressaltar que os princípios e ditames pelos quais se deve pautar a adoção da arbitragem ambiental são os mesmos que embasaram e geraram a Lei 9.307/96, tais como a garantia de tutela jurídica fundamental e menos morosa, o estímulo à composição amigável, a efetividade dos procedimentos e a satisfação dos envolvidos face à agilidade e à tecnicidade das quais se revestem as câmaras e seus árbitros.kicker: A arbitragem ambiental não é tema totalmente novo porque já existe no direito comparado

(Legal & Jurisprudência1)(Rosana Siqueira Bertucci - Doutora em direito ambiental pela PUC/SP e sócia do Bozaciyan, Bertucci e Freitas Barbosa Advogados)


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