24/7/2003 - Investimento e Arbitragem

Fonte: Valor Econômico
Autor: Arnold Wald


Em colóquio a respeito da arbitragem na América Latina, realizado, recentemente, em Paris, na Corte de Cassação, eminentes juristas de vários países discutiram exaustivamente a evolução que estava tendo a solução arbitral dos litígios, especialmente no Brasil e na Argentina. Reunindo tanto professores universitários especializados na matéria como árbitros e advogados da área comercial, o seminário revelou o profundo interesse europeu pela evolução do nosso direito e o reconhecimento do papel crescente que a arbitragem passou a desempenhar nas relações entre a América do Sul e a Europa. Considerou-se que houve uma verdadeira mudança cultural da maior relevância, que facilita a realização dos negócios internacionais e inspira maior confiança nos contratos firmados pelas empresas do Velho Mundo com as sociedades comerciais de países que, como o Brasil, já conquistaram a estabilidade monetária e respeitam o Estado de Direito. 


Por outro lado, surgiram algumas dúvidas quanto à eficiência da cláusula compromissória e à validade das convenções de arbitragem quando firmadas por sociedades de economia mista e empresas públicas brasileiras. A questão foi suscitada em virtude de recentes decisões da justiça estadual que sustaram o início de processos de arbitragem, no caso da COPEL e em outros. Alguns dos juristas brasileiros presentes salientaram os riscos decorrentes dessas decisões judiciais que, além de descumprirem a norma constitucional que equipara as empresas mistas às demais companhias privadas no tocante ao seu regime de direito comercial (art. 173), se afastam da tradição brasileira na qual, por várias vezes, as estatais têm recorrido à arbitragem, como aconteceu com Furnas e Petrobrás. 


O retrocesso da posição assumida pelas decisões judiciárias no caso das empresas controladas pelo Estado torna-se tanto mais injustificável que o Supremo Tribunal Federal, em longo, brilhante e exaustivo julgamento, reconheceu a constitucionalidade da nossa legislação na matéria. Adicionalmente, numerosas decisões, nos últimos anos, reconheceram e consagraram a validade da cláusula compromissória e a sua execução específica, independentemente da assinatura do termo de compromisso, que se tornou matéria pacífica em relação às empresas privadas. 


Poder-se-ia eventualmente explicar, mas não justificar, as recentes decisões, no caso da COPEL, pela rápida evolução que a arbitragem teve em nosso país, com o novo impulso modernizador dado pela Lei nº 9.307, de 1996, que renovou o instituto. Mas, de qualquer modo, trata-se de obstáculo sério à consolidação da confiança que devem merecer os contratos firmados pela administração indireta. O problema adquire, inclusive, maior relevância no momento em que a eventual renegociação dos contratos de concessão tem sido substituída, em alguns casos, por decisões administrativas consideradas ilegais ou abusivas, ou até por determinações judiciais que perturbam o bom funcionamento das agências regulatórias, substituindo, em certos casos, a racionalidade dos estudos técnicos por atitudes emocionais. Em vários artigos publicados na imprensa, a matéria tem sido focalizada, condenando, os seus autores, as interferências descabidas que, no seu entender, só se explicariam em regimes autoritários ou que revelam um populismo contrastando com a seriedade e a independência da política econômica e financeira do país. 


Essas considerações adquirem maior atualidade no momento em que o Presidente da República está voltando da sua viagem à Europa, na qual afirmou o interesse do Brasil pelo ingresso, no país, do capital estrangeiro, reconhecendo explicitamente a necessidade de dar-lhe as adequadas garantias. 


Quando o Governo cogita de investimentos estrangeiros e de garantias adequadas, no mundo hodierno caracterizado pela velocidade das transações e pela volatilidade das moedas, uma das garantias necessárias é certamente a solução dos eventuais conflitos de interesses por arbitragem, e dela não podemos descuidar. É possível que os tratados já firmados, mas ainda não ratificados pelo Brasil, necessitem de algumas modificações, justificando-se, pois, uma eventual renegociação. De 
qualquer modo, a recente ratificação, pelo Brasil, do Acordo de Arbitragem do Mercosul abre novos caminhos. 


Algumas sugestões interessantes têm sido feitas pelo Ministro Celso Amorim e, de qualquer modo, trata-se de questão que merece ser rediscutida e incluída na agenda governamental. No fundo, o problema se coloca tanto em relação às empresas estrangeiras como às nacionais, e não há dúvida que as peculiaridades dos contratos administrativos e de investimentos estrangeiros exigem soluções próprias, entre as quais a arbitragem parece uma das mais adequadas. 


Arnoldo Wald é advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, professor catedrático de direito da UERJ e presidente da Academia Internacional de Direito e Economia. Escreve nesta coluna quinzenalmente. 

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