16/7/2003 -
Impactos do Acordo de Arbitragem do Mercosul
Fonte: Valor Econômico
Autor: Carmen Tiburcio
Após ter sido relegado a segundo plano por muito tempo no direito brasileiro, o tema da
arbitragem vem merecendo destaque na jurisprudência, na doutrina e na prática negocial.
Sobre o tratamento da matéria pela jurisprudência, deve-se lembrar que o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu em 2001 pela plena constitucionalidade da Lei de Arbitragem. Essa decisão foi muito
importante porque tranqüilizou os meios jurídico e empresarial quanto à utilização da referida
lei na celebração de negócios, sobretudo internacionais. Destacam-se também as decisões
proferidas desde então pelo Judiciário brasileiro que tem favorecido o instituto da arbitragem,
desmistificando a idéia de que a justiça estatal seria refratária ao meio alternativo de solução
de controvérsias.
Ilustrando a relevância da matéria no âmbito do Poder Executivo, a promulgação do Acordo de
Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, em junho de 2003, aumenta o número de tratados
plurilaterais sobre o tema já ratificados pelo Brasil, dentre os quais o Protocolo de Genebra
(1923), que equipara a cláusula compromissória ao compromisso, e o Código Bustamante (1928), que
trata da homologação dos laudos proferidos no exterior. O Brasil já ratificou também a Convenção
Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (1975), com a mesma regra do Protocolo de
Genebra, e a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos
Arbitrais Estrangeiros (1979), que enumera os requisitos para se homologarem laudos arbitrais
proferidos no exterior. No Mercosul, o Brasil é parte do Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (1992), o famoso
Protocolo de Las Leñas. Há pouco tempo, o Congresso aprovou o texto do Acordo sobre Arbitragem
Comercial Internacional entre o Mercosul, a Bolívia e o Chile (Decreto Legislativo nº 483/2001),
ainda dependente da aprovação presidencial para vigir no Brasil. Recentemente, o país aderiu à
Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Reconhecimento e Execução de Laudos
Arbitrais Estrangeiros (Nova York, 1958), a mais importante convenção internacional sobre a
matéria pois ela não se refere apenas à eficácia de laudos arbitrais proferidos no exterior, mas
prevê também regras para o cumprimento da própria cláusula arbitral. A sua aprovação era
ansiosamente aguardada.
O Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul recebeu a aprovação presidencial no
mês de junho deste ano, após ter recebido a aprovação congressual no ano de 2000. O acordo trata
de inúmeras questões de grande relevância em matéria de arbitragem, tais como a validade da
convenção arbitral, a sua autonomia em relação ao contrato principal, a lei aplicável ao mérito
da arbitragem - que foi objeto de reserva -, a lei aplicável ao processo arbitral, a competência
concorrente do Judiciário e do tribunal arbitral para a concessão de medidas cautelares e a
fixação da competência do foro da sede da arbitragem como o único competente para apreciar a ação
de nulidade do laudo.
O acordo foi aprovado com reserva do artigo 10, que prevê o critério de determinação da lei
aplicável ao mérito da arbitragem. A regra prevalecente no direito internacional é a da autonomia
da vontade: as partes, que optam por subtrair as suas controvérsias do âmbito do judiciário e
submetê-las à arbitragem também são livres para determinar a lei aplicável pelo tribunal
arbitral. No silêncio das partes, caberá a este último decidir a respeito. Caso essa omissão das
partes ocorra perante a jurisdição estatal, a autoridade competente para julgar a questão
recorrerá ao seu direito internacional privado e, com base nas regras de conexão do foro,
determinará a lei aplicável à hipótese. Contudo, não se pode utilizar na arbitragem a mesma
sistemática, já que o árbitro não dispõe de "lex fori", e assim não tem regras de conexão a que
recorrer. Neste sentido, louvável a reserva feita pelo Executivo, que suprimiu a menção feita ao
direito internacional privado, e assim o tribunal arbitral decidirá a lide aplicando a lei
material que considerar cabível.
É desejável que este recém-promulgado acordo encontre prestígio por parte dos operadores do
direito e dos negociadores internacionais.
Carmen Tiburcio é professora de direito internacional privado da Universidade Estadual do rio de
Janeiro e consultora da área internacional do escritório Luís Roberto Barroso & Associados.