8/8/2003 - A Sentença Estrangeira, para ter Eficácia no Âmbito Interno, Precisa ser Homologada

Fonte: Valor Econômico
Autor: Selma Ferreira Lemes


A sentença estrangeira, para ter eficácia no âmbito interno, precisa ser homologada pelo Supremo Reconhecimento da sentença arbitral estrangeira no Brasil

 
Por opção do legislador brasileiro, a Lei nº 9.307/96 não disciplinou as arbitragens 
internacionais, preferindo regular a forma para internalizar a sentença arbitral estrangeira, proferida fora do território nacional e que, para ser reconhecida e executada no Brasil, deve ser homologada perante o Supremo Tribunal Federal (STF). 


A nova lei dispensou a dupla homologação da sentença arbitral estrangeira exigida, até então, pelo STF. Foram incluídos também dispositivos idênticos aos da Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958) - a CNI -, tais como o que invertia o ônus da prova, ou seja, a parte que desejasse obstaculizar o reconhecimento é que deveria provar o alegado, os casos de denegação de reconhecimento etc. 


O STF acatou imediatamente os novos preceitos, dispensando a necessidade de dupla homologação, esclarecendo que as normas processuais da Lei nº 9.307/96 tinham incidência imediata nos casos pendentes de julgamento. 


Posteriormente, o Brasil ratificou as convenções internacionais da área: a Convenção 
Interamericana de Arbitragem Comercial Internacional (Panamá, 1975), o Decreto nº 1.902/96, a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros (Montevidéu, 1979), o Decreto nº 2.411/97, a CNI acima mencionada, o Decreto nº 4.311/02 e, recentemente, o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (Buenos Aires, 1998) e o Decreto nº 4.719/03. Todavia, prevendo o legislador essa possibilidade, fez constar, na lei, dispositivo de compatibilidade, esclarecendo que a sentença arbitral estrangeira será reconhecida e executada de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no 
ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta lei (artigo 34). 


Há certos dispositivos da CNI que precisam ser esclarecidos, haja vista comentários surgidos na doutrina nacional, no sentido de que a CNI teria alterado a sistemática de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras prevista na lei e revogado o seu teor. Salientamos que tal fato não ocorre, pois ambos os diplomas legais devem ser interpretados de modo harmônico e complementar. Inicialmente recordamos que os dispositivos em referência tiveram sua inspiração na CNI e, em segundo lugar, as normas que disciplinam a competência da organização judiciária são internas dos países, soberanos para regular a questão. Portanto, não poderia sobrepor-se à lei interna brasileira. 


Referimo-nos ao entendimento externado de que, com o advento da CNI, as sentenças arbitrais estrangeiras passavam a ter a mesma forma de execução das sentenças domésticas, não necessitando de homologação do STF. Essa interpretação deriva da leitura apressada do artigo III da CNI, ao dispor "que cada Estado signatário reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará em 
conformidade com as regras de procedimento do território no qual a sentença é invocada." Este enunciado refere-se à legislação de organização judiciária do país em que se solicita o reconhecimento. No caso brasileiro, os artigos 35 a 37 da Lei de Arbitragem regulam a questão. 


Por sua vez, a segunda parte do enunciado, ao dispor que "para fins de reconhecimento ou de execução das sentenças arbitrais às quais a presente convenção se aplica, não serão impostas condições substancialmente mais onerosas ou taxas ou cobranças mais altas do que as impostas para o reconhecimento ou execução de sentenças arbitrais domésticas", especificamente diz respeito à 
imposição de condições, exigências ou custas que onerem o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, estabelecendo que os motivos de denegação de reconhecimento são apenas os relacionados na CNI, idênticos aos artigo 38 e 39 da Lei nº 9.307/96. Não há a menor hipótese de se interpretar o artigo III da CNI com o intuito de igualar o reconhecimento e a homologação de sentença arbitral estrangeira com a sentença arbitral doméstica e pretender executá-la diretamente no foro competente. A sentença estrangeira, para existir e ter eficácia no 
âmbito interno, precisa ser, inicialmente, reconhecida e homologada pelo Supremo Tribunal Federal. 


A interpretação harmônica da CNI com a lei de arbitragem acima efetuada está em consonância com os documentos que representam os trabalhos preparatórios da convenção e a vasta doutrina internacional que há mais de 45 anos dedica-se a interpretá-la. No caso brasileiro, outra não poderia ser a conclusão. Admitir interpretação que subverta a ordem natural disposta pelo legislador representaria, além de evidente ilegalidade, uma inconstitucionalidade, pois a matriz legal encontra sua origem no artigo 102, inciso I, alínea h da Constituição Federal. O legislador 
tomou-o como um princípio jurídico a ser respeitado e preservado. 


Selma Ferreira Lemes é coordenadora e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em São Paulo, membro da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) ".

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