5/8/2003 -
A Arbitragem Doméstica e a Arbitragem Internacional
Fonte: Valor Econômico
Autor: Selma Ferreira Lemes
”A lei brasileira de arbitragem, Lei nº 9.307/96, regula apenas a arbitragem doméstica. Na área
internacional dispõe sobre a forma de internalizar a sentença arbitral estrangeira, esclarecendo
que é a proferida fora do território nacional. Muitos países, tais como a Espanha em 1988 e a
Holanda em 1986 (que possui uma das legislações mais completas sobre arbitragem), também
preferiram este sistema monista.
Arbitragem doméstica é aquela realizada no território nacional e/ou quando a sentença arbitral é
aqui proferida. A lei prevê os princípios jurídicos a serem observados; a possibilidade de os
árbitros decidirem por eqüidade, isto é, de acordo com o seu real saber e entender; que a
arbitragem seja administrada por uma instituição arbitral; os requisitos para que uma pessoa
possa ser nomeada árbitro; a determinação, pelos árbitros, de medidas cautelares e coercitivas;
enfim, tudo de acordo com os princípios e os conceitos mais modernos sedimentados na doutrina e
jurisprudência forâneas, em consonância com as demais regras do nosso arcabouço jurídico.
Na outra forma de dispor sobre a arbitragem, denominada de sistema dualista, os Estados, além de
regularem as arbitragens domésticas, também dispõem sobre as arbitragens internacionais
realizadas em seus territórios. Para conceituar a arbitragem como internacional, os países adotam
diversos critérios, tais como as arbitragens entre pessoas jurídicas com domicílio em países
diferentes ou quando o objeto do contrato seja referente ao comércio internacional
No último quartel do século passado, muitos países revisaram suas legislações internas, algumas
com peculiaridades estratégicas para atrair arbitragens internacionais, tais como as leis
francesa de 1981, inglesa de 1996, belga de 1998 e suíça de 1987. As leis dualistas têm por
escopo facilitar a solução de controvérsias internacionais; avocar para seus países a sede de
arbitragens, e com isso auferir rendimentos com a prestação de serviços; propiciar ambiente
neutro para as partes; menor interferência do Judiciário local; enfim, dar tratamento
diferenciado e condizente com as especificidades do comércio internacional. Neste sentido, as
leis belga e suíça possibilitam até que as partes renunciem à possibilidade de recurso da
sentença arbitral final.
É indubitável que a arbitragem é a forma mais usada e recomendada de solução de controvérsias
surgidas no comércio internacional. Contudo, do ponto de vista operacional, algumas questões
devem ser analisadas no momento em que os contratos internacionais são elaborados, pois
geralmente a cláusula arbitral é relegada ao esquecimento, para não dizer à indiferença. Somente
é notada, e aí passa a ser execrada, quando surge a controvérsia e se verifica que a pílula é
amarga para o bolso.
O contratante brasileiro aceita passivamente cláusulas arbitrais sugeridas pelo parceiro
estrangeiro que, geralmente, indica a sede da arbitragem no exterior e elege instituições
arbitrais com taxas e emolumentos excessivamente altos, que chegam até a inviabilizar o acesso à
arbitragem. Todavia, como a cláusula arbitral tem efeito vinculante, é obrigatória e foi fruto de
consenso das partes, deve ser cumprida e honrada sem discussão, posto que se assim não for
violará o contrato, a lei e os tratados internacionais.
Outro fator importante é a verificação da lei processual do local escolhido como sede da
arbitragem, posto que pode ocasionar desagradável surpresa ao se deparar com legislação que prevê
a possibilidade de adoção de medidas judiciais coercitivas de garantias, preparatórias ou no
curso da arbitragem, que podem colocar em xeque os interesses das empresas, além, evidentemente,
dos altos honorários de advogados locais, dos mencionados custos das instituições arbitrais e dos
elevados honorários dos árbitros.
Mas tudo isso poderia ser evitado se atitudes propedêuticas fossem adotadas com cláusulas
arbitrais bem redigidas, verificando-se previamente o regulamento e custos da instituição eleita.
Talvez seria melhor, no caso, estabelecer que a arbitragem fosse "ad hoc" (as próprias partes
criam as regras sem utilizar os serviços de uma instituição arbitral). Ademais, seria salutar se
os consultores das empresas, ao negociarem contratos internacionais, atentassem para a
possibilidade de avocar a sede de arbitragens para o Brasil, pois nossa lei concede muita
flexibilidade para as partes, outorga as garantias de um julgamento justo, possibilita a escolha
da lei aplicável, vigora no Brasil a Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de
Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Nova Iorque, 1958) etc. Ademais, os custos das arbitragens
administradas pelas instituições brasileiras com profissionais especializados e árbitros
indicados pelas partes são muito mais compensadores. Arbitragem ideal é a que transcorre rápido,
com árbitros diligentes e partes colaboradoras, seja no Brasil ou no exterior.
Este é o segundo de uma série de 10 artigos sobre arbitragem a ser publicada nesta página.
Selma Ferreira Lemes é coordenadora e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em
São Paulo, membro da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em direito
internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) ".