1/8/2003 -
O Desenvolvimento da Arbitragem no Brasil e no Exterior
Fonte: Valor Econômico
Autor: Selma Ferreira Lemes
A solução de litígios por arbitragem, na qual as partes em um contrato estabelecem que as
controvérsias serão dirimidas por árbitros por elas indicados, com base na Lei nº 9.307/96, vem
revolucionando as negociações comerciais.
Desde 1994 a processualística brasileira navega nas "ondas renovatórias do direito" ao enaltecer
que a prestação jurisdicional deve priorizar a efetividade e a informalidade. Assim, foram
editadas as leis dos juizados especiais cíveis e criminais, da tutela antecipada e da execução
provisória etc. A Lei de Arbitragem é fruto desta influência.
Todavia, em seis anos de vigência, apesar de ter alcançado considerável progresso, a caminhada
continua árdua. Inicialmente, coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) esclarecer que as regras da
nova lei eram constitucionais. Em seguida, lutamos contra o conformismo atávico, pois não
estávamos acostumados à liberdade de escolher nossos julgadores, somente conhecíamos a porta do
Judiciário. Posteriormente, há a necessidade de conscientizar os advogados para aprimorar seus
conhecimentos. Hoje, já temos diversos cursos de especialização e pós-graduação disseminando a
cultura arbitral e os outros métodos extrajudiciários de solução disputas (negociação,
conciliação e mediação).
Na dinâmica das transações empresariais, a arbitragem surge como uma nova ferramenta que otimiza
os negócios. Qualquer fato que intervenha para obstaculizar o ciclo comercial deve ser resolvido
rapidamente e em foros especializados. Por outro lado, há matérias que só podem ser apreciadas
pelo Judiciário, tais como criminais, tributárias e de família, por não se referirem a direitos
patrimoniais disponíveis (âmbito de aplicação da arbitragem). Enfatize-se que, em decorrência da
pletora de demandas que congestionam nossos tribunais e o sem-número de recursos que transformam
as pendências em processos eternos, consideramos dever de civilidade poupar o Judiciário em
questões que possam ser dirimidas por arbitragem. Mas é importante notar que a arbitragem não vem
para solucionar os problemas crônicos do Judiciário e, muito menos, com ele concorrer. O seu
papel é de coadjuvar na administração da Justiça.
Para aferir a atividade arbitral utilizamos como termômetro as arbitragens administradas, isto é,
aquelas processadas em câmaras e centros de arbitragens idôneos, existentes nas capitais
brasileiras. A Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, que funciona no Centro e Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp/Fiesp) teve, em 2002, aumento de 100% nos casos
recebidos, envolvendo, muitas vezes, valores vultosos e de extrema complexidade técnica, que
chegam a ser solucionados, em média, em sete meses. Na Câmara de Arbitragem Empresarial (Camarb),
de Belo Horizonte, a média é de seis meses. No Judiciário, numa visão muito otimista, demandariam
dois anos só em primeiro grau e mais seis nas Cortes superiores.
Dados estatísticos fornecidos pelo Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem
registram 1.386 demandas cíveis e empresariais nas entidades brasileiras em 2001. No mesmo
período, em Portugal, cuja lei de arbitragem é de 1986, os centros de arbitragem da Associação
Comercial de Lisboa e da Associação Comercial de Braga totalizaram 274 demandas. Em São Paulo
está localizado o Conselho Arbitral de São Paulo (Caesp) , que registra 9.502 casos julgados
desde 1999. As demandas trabalhistas representaram 6.652 casos. Em Portugal, entre 1999 e 2001 o
Serviço Regional de Conciliação e Arbitragem do Trabalho processou 1.900 arbitragens.
Nas arbitragens internacionais as estatísticas revelam que a Corte Internacional de Arbitragem da
Câmara de Comércio Internacional (CCI) registrou 566 novos casos em 2001 e, no mesmo período, a
American Arbitration Association recebeu 649 novas demandas internacionais. No final de 2002, a
CCI possuía 1.135 demandas em processamento. Destas, 175 eram da América Latina. O México
liderava com 34 arbitragens, seguido pela Argentina com 30 e o Brasil com 18 casos envolvendo
empresas nacionais. Na CCI, em 2002, a Europa liderou com 739 arbitragens (45,6%). As empresas
francesas estavam em primeiro lugar com 140 demandas arbitrais.
Enfim, voltando ao cenário nacional, em menos de uma década, com uma legislação arbitral
apropriada, com o apoio do Judiciário e a ratificação de diversas convenções internacionais, o
Brasil tenta recuperar o atraso e superar o estado de letargia que o acometeu por mais de 60
anos, já que a última iniciativa na área fora em 1932, com a ratificação do Protocolo de Genebra
sobre cláusulas arbitrais. Assim, a célebre afirmação do renomado arbitralista francês René David
de que "o Brasil era uma ilha de resistência à arbitragem" cai no ostracismo. É folha dobrada,
pois não obstante a questão envolva mudança de paradigma, nasce e floresce uma nova era da
arbitragem no Brasil.
Este é o primeiro de uma série de 10 artigos sobre arbitragem a ser publicada nesta página.
Selma Ferreira Lemes é coordenadora e professora do curso LLM de Direito Arbitral do IbmecLaw em
São Paulo, membro da comissão relatora da Lei de Arbitragem e advogada e mestre em direito
internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).