30/7/2003 - A Arbitragem no Setor Público

Fonte: Gazeta Mercantil
Autor: Flávia Bittar Neves

A utilização da arbitragem pelos agentes econômicos ligados ao Estado, é, hoje, uma realidade. A informalidade do procedimento, a celeridade, a especialidade dos julgamentos e o sigilo são alguns dos atrativos da arbitragem, que vem se mostrando como uma alternativa vantajosa e eficiente para a solução de controvérsias. Muito se discutiu no passado sobre a possibilidade de utilização da arbitragem nos contratos com o Estado, estando, todavia, sedimentado o entendimento segundo o qual a arbitragem é possível sempre que se tratar de direitos patrimoniais disponíveis.

 
Ora, quando o Estado -ou um de seus entes públicos- pratica atos de natureza privada, atuando no cenário comercial, desprovido das prerrogativas do direito público -ato de jure gestioni- permanece em pé de igualdade com os particulares contratantes, diante da natureza disponível do negócio jurídico. Neste caso, é perfeitamente viável a utilização da convenção de arbitragem. Pensar de modo contrário seria admitir uma restrição à autonomia contratual do Estado.

 
A possibilidade de utilização da arbitragem para solucionar conflitos que envolvem o Estado é há muito reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme decisão proferida no litígio que envolvia a União e os herdeiros de Henrique Lage (AI 52181, j. em 14 de novembro de 1973), cuja ementa esclarece a questão: "Juízo Arbitral – Na tradição de nosso direito, o instituto do juízo arbitral sempre foi admitido e consagrado, até mesmo nas causas contra a fazenda. Pensar de modo contrário é restringir a autonomia contratual do Estado, que, como pessoa ‘sui generis’, pode prevenir o litígio pela via do pacto de compromisso, salvo nas relações em que age como Poder Público, por insusceptíveis de transação."

 
Acompanhando a evolução legislativa mundial, o legislador brasileiro vem expressando a possibilidade de utilização da arbitragem na solução de conflitos entre o ente estatal e o particular.

 
Na esfera Federal, a possibilidade do uso da arbitragem nos contratos de concessão de serviços públicos é prevista no artigo 23, XV, da Lei 8.987/95, ao definir cláusula essencial dos contratos de concessão a relativa ao foro e ao modo amigável de soluções das divergências contratuais, dando nova interpretação ao artigo 54 da Lei 8.666/93, dando novos rumos à administração pública.

 
Este entendimento foi sedimentado no voto da Ministra do STJ Nancy Andrighy, enquanto membro do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (relatora do MS 1998002003066-9, j. em 18.5.99), ao declarar que "pelo artigo 54 da Lei 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios do direito privado o que vem reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais."

 
A aplicação concreta da Lei 8.987/95 pode ser constatada no contrato firmado em 31 de outubro de 1995, entre o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), como Poder Concedente, e a Companhia de Concessão Rodoviária de Juiz de Fora, em que foi inserida a cláusula compromissória, tendo as partes eleito a arbitragem para solucionar os eventuais litígios contratuais.

 
A previsão legal para o uso do juízo arbitral pode ainda ser verificada em outras leis, dentre as quais pode-se citar: Lei 9.472/97, artigo 93, XV (sobre os contratos de concessão firmados pela Anatel), Lei 9.478/97, artigo 43, X, (sobre os contratos firmados pela Agência Nacional do Petróleo), Lei 10.233/01, artigo 35, XVI (sobre os contratos de concessão de transporte aquaviário)

 
Ademais, a arbitragem também pode ser utilizada no âmbito da Administração Pública direta, como prevê a Lei 10.433/02, que criou o Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE. Com efeito, o parágrafo 2º do artigo 2º, da referida Lei, determina que a forma de solução de eventuais divergências entre os agentes integrantes do MAE, deve ser estabelecida, na Convenção do Mercado e no estatuto, por meio de mecanismo de arbitragem e Convenção de Arbitragem.

 
Em âmbito estadual, o Rio de Janeiro foi pioneiro no país, ao promulgar a Lei 1.481, de 21 de junho de 1989 (artigo 5º, parágrafo 2º), que ao dispor sobre o regime de concessões e obras públicas contem previsão expressa de utilização do Juízo Arbitral. Da mesma forma, o estado de São Paulo previu a adoção contratual de modo amigável para a solução de controvérsias no artigo 8º, XXI, de sua Lei de Concessões, 7.835, de 8 de maior de 1982.

 
No âmbito externo, tem-se a Lei 1.518, de 24 de dezembro de 1951, e o Decreto-lei 1.312, de 15 de dezembro de 1974, que autorizam o Tesouro Nacional a firmar contratos internacionais com cláusula arbitral.

 
Assim, havendo autorização legislativa, nada impede que os entes governamentais escolham a arbitragem para resolver os conflitos surgidos no âmbito da Administração Pública, que poderá obter decisões definitivas (com a mesma eficácia da sentença judicial), rápidas, especializadas e sigilosas, sem que tenha que recorrer aos trâmites burocráticos do Poder Judiciário.

 
Convém ainda citar que o Tribunal de Contas da União, na Decisão 188/95, em que eram interessados o DNER e o Consórcio Andrade Gutierrez/Camargo Corrêa, admitiu a utilização da arbitragem fundamentando-se na Lei de Concessão de Serviços Públicos.

 
Sem sombras de dúvida, a arbitragem é hoje essencial no meio empresarial e a existência de uma Câmara de Arbitragem em determinada região é fator de atração de investimentos.

 
Efetivamente, a existência no Estado de uma instituição capaz de atender aos interesses do setor produtivo (como é o caso da CAMARB – Câmara de Arbitragem Empresarial-Brasil), propicia um cenário favorável aos investimentos em Minas Gerais e impede a fuga de capitais mineiros para a contratação deste serviço em outros Estados/Países.

 
Advogada, Secretária Geral da Câmara de Arbitragem de Minas Gerais, especializada em Direito Arbitral pela Università Degli Studi di Milano, pós-graduanda em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral.kicker: Arbitragem para solucionar conflitos que envolvem o Estado já é reconhecida.

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