16/06/2003 - Mercosul: acordo de arbitragem comercial em vigor

Veículo: Site Aduaneiras
Autor: Sílvia Garcia

Após anos de estagnação, confrontos e dissonâncias entre os países membros, especialmente entre Argentina e Brasil, crise argentina e hipótese de morte do bloco sul-americano, parece finalmente que o Mercosul pretende ressurgir como fênix.

Na última semana, os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, intensificaram o compromisso de fazer do bloco "o grande centro de atração com outros países do mundo" e adiantaram as negociações para criação de um parlamento do Mercosul e de um instituto monetário e social da região.

Um dos primeiros sinais da retomada é que o presidente argentino, a partir de janeiro de 2004, fará vigorar a alíquota de 14% da TEC - Tarifa Externa Comum, para importação de bens de capital produzidos fora do Mercosul, que estava suspensa desde 2001.

Mas não são apenas a visita do presidente argentino e os compromissos selados que denotam a retomada do Mercosul. Outro importante instrumento para fortalecimento do bloco sul-americano acaba de ser consolidado. Trata-se do Acordo de Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, publicado no Diário Oficial da União no último dia 5, por meio do Decreto no 4.719/03.

Conforme a norma, o acordo tem por objetivo regular a arbitragem como meio alternativo privado de solução de controvérsias surgidas de contratos comerciais internacionais entre pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Para o catedrático em Direito Internacional Público e Privado, professor Ph.D. Armando Alvares Garcia Júnior, a arbitragem comercial internacional é utilizada há anos como alternativa mais célere à notória morosidade dos Poderes Judiciários. Em um processo de integração, como é o caso do Mercosul, a agilidade na resolução de problemas decorrentes de contratos internacionais é absolutamente essencial para a própria promoção e desenvolvimento integracionista. A morosidade extrema do Poder Judiciário tende a atravancar a vida de protagonistas que necessitam de fluidez em suas relações empresariais.

Ele explica que a execução dos laudos ou sentenças arbitrais estrangeiras continuará a ser dificultosa e demorada, pois exigirá, via de regra, a intervenção de autoridade judiciária. E alerta: "É necessário também que se evite, a todo custo, o surgimento indiscriminado de entidades arbitrais maquinadas com o propósito de auferir lucros e constituídas por 'árbitros' despreparados e incultos juridicamente."

Na opinião do especialista em Câmbio, Contratos e Pagamentos Internacionais, Angelo Luiz Lunardi, a arbitragem, como os demais meios alternativos para a solução de controvérsias, é a justiça despida dos formalismos, do culto às solenidades. Trata-se de justiça privada, "destogada", que prima pela objetividade, presteza e rapidez.

Segundo Lunardi, os árbitros, antes de qualquer qualificação jurídica, devem ter qualificação técnica para decidir sobre a questão. "Conforme dispõe o próprio Decreto no 4.719/03, pode ser árbitro qualquer pessoa legalmente capaz e que goze da confiança das partes, devendo proceder com probidade, imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição", elucida.

Garcia Júnior afirma que há um avanço jurídico notável no que pertine à consagração da autonomia da vontade na eleição do direito aplicável, pois o Mercosul agora deixa de figurar no descompasso do tempo e se dotam os protagonistas de uma liberdade de escolha já consagrada na praxe internacional.

Ele, porém, vê com cautela a escolha, pelas partes, do direito que se aplicará para solucionar a controvérsia, pois a norma alude expressamente ao direito internacional privado e seus princípios, como base, o que pode acarretar sérias confusões no que concerne à localização da lei aplicável. Além disso, entende que melhor seria a simples menção de que as partes poderão eleger o direito que se aplicará para solucionar a controvérsia e nada mais, sem menção expressa do direito internacional privado e seus princípios. Assim, se as partes escolhem o direito argentino, seria o direito argentino, se o direito brasileiro, o direito brasileiro etc.

Todavia, de modo geral, Garcia Júnior acredita que a publicação do decreto vem em muito boa hora e auxiliará substancialmente a retomada do processo integracionista na região. "Enfim, é vital para o incremento das relações intrazonais e a consolidação do bloco, mormente em face da pretendida Área de Livre Comércio das Américas", conclui.

Lunardi, para melhor elucidar a importância desse acordo, relembra as palavras de Petrônio Muniz, em seminário sobre "Métodos Alternativos de Solução de Conflitos", realizado pela CNC, no Rio, nos idos de 2000: "O desejado processo de integração regional nunca poderá se restringir às disposições referentes, apenas ao comércio e circulação de bens e serviços. Deve dispor de instrumentos, de práticas e de garantias, entre os quais avultam os pré-falados 'sistemas alternativos' de solução de disputas. O estabelecimento de formas privadas para a solução de litígios comerciais configura-se, a toda evidência, como viga mestra desse processo de integração a ser implementado sem tardança. Não há segurança jurídica sem justiça. Mas justiça rápida e eficaz."

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