Da constitucionalidade dos arts. 6º, 7º,  41 e 42 da Lei da Arbitragem (9.307/96).

A questão da inafastabilidade do controle jurisdicional assegurado pelo art. 5º, XXXV, da CF

JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR
Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Università Degli Studi di Milano, Itália. Professor Universitário dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação.

Ao analisar o pedido de homologação de sentença estrangeira espanhola, que tramita no Supremo Tribunal Federal, sob o nº 5.206-8/247, em agravo regimental, o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE conheceu de ofício a respeito da constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 9.307/96, após a manifestação do Procurador-Geral da República, que concluiu no sentido de inexistência de qualquer afronta ao texto constitucional. O Ministro Pertence acolheu o pedido de homologação de sentença estrangeira e emprestou validade constitucional ao compromisso arbitral entendendo que nele os titulares dos interesses em conflito atual, embora podendo submetê-lo à apreciação estatal, consentem em renunciar à via judicial e escolhem a alternativa da arbitragem como solução do litígio. Nada obstante, ao mesmo tempo em que assim entendeu o eminente ministro, por outro lado salientou que sendo insuficiente a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória - dada a indeterminação do seu objeto -, a permissão conferida ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso, afronta a garantia constitucional da inafastabllidade do controle jurisdicional assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, razão pela qual, em conseqüência, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6º, o art. 7º e seus sete parágrafos, assim como as novas redações atribuídas no art. 41 aos arts. 267, VII e art. 301, IX, do CPC, e, ao art. 42, todos da Lei 9.307/96. Foi, então, o julgamento suspenso diante do pedido de vista do Ministro NELSON JOBIM, em data de 8 de maio de 1997. Primeiramente, havemos de ressaltar que o Procurador-Geral da República, GERALDO BRINDEIRO, ao analisar amplamente sob vários aspectos a constitucionalidade da Lei da Arbitragem, assinalou especificamente no item nº 11 de seu parecer que o controle jurisdicional estatal não havia sido afastado no novo regime, mas, pelo contrário, aparecia prestigiado nos arts. 6º, 7º, 32, 33, 38 e 39. Interessam-nos mais de perto, nesta sede, as hipóteses de recalcitrância de uma das partes que pactuaram a cláusula arbitral e que, diante do surgimento de conflito atual, nega-se a firmar o compromisso, na tentativa de frustrar a instituição da arbitragem. Seguindo as orientações contidas no Protocolo de Genebra, de 1923, a nova lei estabelece que a cláusula compromissória prescinde de ato subseqüente - o compromisso arbitral - e, por si só, toma-se apta a instituir a arbitragem, que se verificará mediante requerimento do interessado, dirigido ao Estado-juiz, que através de sentença, substituirá o compromisso, perdendo a sua característica de contrato particular. Percebe-se que a inovação modificou substancialmente o regime anterior, segundo o qual a cláusula compromissória era inexígível em juízo, quando não precisava os pontos do compromisso, à medida que este deveria representar um novo contrato, imprescindível e subseqüente, através do qual as partes acordavam a escolha do árbitro e as regras de arbitragem. Agora, o compromisso arbitral, na falta de acordo, passa a ser um contrato imposto por sentença judicial, significando, em outros termos, mera execução de um provimento estatal com eficácia constitutiva.(1) Em princípio, não vemos qualquer inconstitucionalidade ou o mínimo fumus de afronta ao princípio da inafastabllidade do controle jurisdicional insculpido no inc. XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal, sobretudo porque a manifestação favorável do Estado-juiz em instituir compulsoriamente o juízo arbitral dependerá sempre da comprovação cabal de prévia existência de cláusula arbitral firmada pelas partes contratantes. Note-se que a redação da primeira parte do caput do art. 7º e seu § 1º, da Lei 9.307/96 não deixa qualquer dúvida a esse respeito, onde a exigência de demonstração de cláusula contratual aparece como verdadeiro pressuposto processual de existência da relação jurídica, que o interessado pretende instaurar a fim de obter sentença substitutiva do compromisso. Sendo a cláusula compromissória a "convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato" (art. 4º, caput), na hipótese de descumprimento do acordo por resistência em firmar o compromisso previamente assumido, a parte interessada necessita de que o sistema lhe ofereça mecanismos para fazer com que a ex adversa honre com a sua obrigação e, caso permaneça a recalcitrância, de que o Estado conheça da lide e se pronuncie a respeito do conteúdo do compromisso, valendo a decisão judicial como compromisso arbitral (art. 7º, §§ 6º e 7º). Há de se ressaltar, também, que a sentença substitutiva de compromisso arbitral exsurge somente num último momento que se segue após diversas tentativas de conciliação e composição dos termos do compromisso arbitral, segundo se infere do disposto nos §§ 2º e 3º, do art. 7º. Aliás, outra não é a alternativa proposta e encontrada na maioria dos sistemas arbitrais alienígenas, os quais ou deixam de distinguir a cláusula arbitral do compromisso, atribuindo-lhes o mesmo efeito - a obrigatoriedade de instituição da arbitragem - ou permitem ao interessado recorrer às vias judiciais para obtenção de sentença que fixará os termos do compromisso diante da objeção injustificável do outro contratante. É o que se constata nos sistemas jurídicos dos países integrantes do Mercosul, México, Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos da América. Diga-se o mesmo do Código Processual Civil Modelo para a Ibero-américa(2) e a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o desenvolvimento do comércio internacional (UNCITRAL) sobre a arbitragem comercial internacional.(3) Nesse particular, o legislador brasileiro equiparou os efeitos da cláusula compromissória aos do compromisso arbitral, no momento em que criou mecanismos hábeis à instituição compulsória da arbitragem, mesmo diante da relutância de um dos contratantes firmadores do contrato portador de convenção voltada a submeter litígio futuro relacionado com o próprio contrato à arbitragem. Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na faculdade concedida pela nova lei ao contratante de fazer valer em juízo o seu direito que decorre de cláusula compromissória ajustada em comum acordo entre as partes. Ademais, essa cláusula não se presume, devendo aparecer sempre na forma escrita, espancando assim possíveis dúvidas a respeito da vontade manifesta das partes (art. 4º, § 1º). Portanto, no sistema da Lei 9.307/96, a renúncia voluntária à jurisdição estatal já se verifica no momento em que as partes contratam e convencionam a cláusula compromissória, servindo o compromisso arbitral como instrumento destinado a precisar os termos da convenção e, sobretudo, definir os limites da matéria que será objeto da arbitragem, isto é, a lide propriamente dita e indicar o árbitro ou tribunal arbitral (art. 10). Tanto é assim, que o art. 3º desta lei equipara a cláusula compromissória e o compromisso arbitral à convenção de arbitragem, como mecanismos hábeis a submeter à solução dos litígios decorrentes e inerentes a determinado contrato ao juízo arbitral. Funda-se ainda a tese esposada pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE na circunstância de que a cláusula compromissória não traz em seu bojo a determinação do objeto litigioso, donde adviria a impossibilidade de conceder ao juiz o poder de substituir a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso, o que afrontaria a garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional. Contudo, parece-nos que a conclusão resulta de premissa equivocada tomada como ponto de partida, ou seja, na cláusula compromissória se o objeto do litígio não estiver determinado, ele certamente será determinável, sendo este um dos principais objetivos do compromisso arbitral. Note-se que a cláusula compromissória, necessariamente, além de ser expressa, deverá fazer referência à submissão à arbitragem dos litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato (art. 4º, caput, 2ª parte). Significa dizer, em outras palavras, que não se verifica propriamente indeterminação do objeto litigioso, ao contrário do que afirma o festejado ministro na fundamentação de seu voto, pois a lide a ser submetida ao juízo arbitral deverá decorrer do contrato principal no qual foi inserida a cláusula compromissória ou constante de documento apartado que a ele se refira (art. 4º, § 1º). O objeto litigioso, em sentido amplo, constará sempre da cláusula compromissória como requisito indispensável, sob pena de o juiz decidir pela improcedência do pedido de instauração compulsória da arbitragem; os contornos deste objeto é que serão definidos no compromisso arbitral. Disso tudo decorre a alteração dos art. 267, Vll e 301, IX, ambos do Código de Processo Civil, através do art. 41 da Lei 9.307/96, que diante da aludida equiparação entre os dois institutos para fins de renúncia à jurisdição estatal, substituiu nos dois dispositivos a expressão "compromisso arbitral" por convenção de arbitragem. Também não comungamos o entendimento do eminente Ministro PERTENCE, no que tange ao voto de declaração de inconstitucionalidade do art. 42 da Lei da Arbitragem, que adicionou mais um inciso ao art. 520 do CPC, conferindo apenas efeito devolutivo ao recurso de apelação interposto da sentença de procedência de instituição da arbitragem. Além de não percebermos no que consiste a afirmada inconstitucionalidade, esse entendimento causa-nos mormente espécie tendo em consideração que a tendência do processo civil contemporâneo está voltada à efetividade e efetivação do processo com prestígio cada vez maior dos juízos de verossimilhança, seja através do instituto da antecipação da tutela como pela inversão da regra dos efeitos a serem concedidos ao recurso de apelação. Assim, em prosseguimento das atividades do movimento reformista do sistema processual civil brasileiro, liderado pelos Ministros SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA e ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, a comissão integrada por processualistas do mais alto quilate, dentre outras modificações do CPC, aprovaram a nova redação a ser conferida ao mencionado art. 520, tornando regra o recebimento do recurso de apelação apenas no efeito devolutivo.(4) Portanto, o entendimento do Ministro PERTENCE, com a devida e máxima vênia, está na contramão da história e da própria realidade do processo civil contemporâneo, nacional e alienígena. Oxalá seu entendimento acabe vencido a fim de se soltar de uma vez por todas as amarras que até o advento da Lei 9.307/96 colocavam o sistema arbitral brasileiro em posição de quase total inércia. Notas: 1) Cf. LUÍS MELÍBIO UIRAÇABA MACHADO. "Juízo arbitral - Comentários sobre a Lei 9.307/96". Palestra proferida na UFRGS, em 31/10/96. Internet: http://www.ufrgs.br/mestredir/artigos/arbitro.htm. 2) Dispõe o art. 365.2 do Código Tipo, in verbis: "Se a parte obrigada a outorgar o compromisso resiste a fazê-lo, a outra poderá solicitar ao Tribunal Judicial que o outorgue em nome do omisso, designe árbitros, fixe o procedimento e o objeto da arbitragem". 3) Artigo 11, nº 4, alínea d: "(...) 4. Quando, durante um processo de nomeação de árbitros convencionado pelas partes, (...) d) qualquer das partes pode pedir ao tribunal ou a outra autoridade referidos no artigo 6 que tome a medida pretendida, a menos que o acordo relativo ao processo de nomeação estipule outros meios de assegurar esta nomeação". 4) A redação conferida ao art. 520 do Anteprojeto de Lei que altera do CPC e dá outras providências (inicialmente denominado pela Comissão Reformadora do CPC de "Base XII") é a seguinte: "A apelação terá somente efeito devolutivo, ressalvadas as causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas e as sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 475). Parágrafo único. Havendo perigo de lesão grave e de difícil reparação e sendo relevante a fundamentação, poderá o juiz, a requerimento do apelante, atribuir à apelação, total ou parcialmente, também o efeito suspensivo, em decisão irrecorrível". A título exemplificativo, citamos também os arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil italiano, que teve a sua redação alterada pela reforma introduzida no Direito peninsular através da Lei nº 353, de 26 de novembro de 1990, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1993, e introduziu no processo de conhecimento comum o princípio da imediata e autônoma executividade da sentença de primeiro grau, já acolhido anteriormente na Itália em matéria trabalhista, previdenciária, marcas e patentes, indenização decorrente de seguro por acidente de trânsito. "Art. 282. Execução provisória - A sentença de primeiro grau é provisoriamente executável entre as partes." "Art. 283. Providências sobre a execução provisória em apelação - O juiz do apelo, mediante requerimento da parte, proposto com a impugnação principal ou com aquela incidental, ocorrendo motivos graves, suspende no todo ou em parte a eficácia executiva ou a execução da sentença impugnada."

Retirado de: http://www.genedit.com.br/

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