DOUTRINA


"Simplificar e resolver conflitos por mediação e
arbitragem ou tia Nastácia enfrenta o dragão"

"Eu acredito e desacredito tudo, porque acho tudo
possível e impossível"
(Viagem ao céu)

Toda vez que alguém se põe a falar sobre direito, deixa no ouvinte a impressão de que andou percorrendo caminhos que não são desse mundo: a linguagem, empolada, os termos mudam de sentido e a forma geral do discurso se repete: a) existe uma norma que diz isto; b) as pessoas insistem em fazer aquilo; c) conclusão: lamentações e exortações para que mude aquilo e prevaleça isto; d) alguma objeção? ... claro, decorrente do vício daquilo.

Terminado o sermão, os espectadores saem convencidos de que precisam mudar as coisas, mas ... estas continuam seu curso próprio.

O problema está em havermos complicado os termos, distanciado o direito de quem o faz, as normas das pessoas que atingem. Complicamos os termos: o direito serve para compor interesses e paixões humanas e resolver conflitos desses interesses e paixões. Quem faz o direito, pois, são essas mesmas pessoas, envolvidas por tais interesses e paixões e, o resultado dos conflitos que geram, são certas regras que definem a predominância desse interesse, daquela paixão e descrevem os modos para solucionar os conflitos que ... remanescem? Sim, o direito resulta de uns tantos quantos pactos de convivência, mas as pessoas preservam sua capacidade de desejar e as coisas permanecem mudando. Daí: outros conflitos, outros pactos.

Precisamos nos desembaraçar dos termos? Sem dúvida. Mas, sobretudo, simplificar as técnicas e as instituições que criamos para dar conta – insisto – desses conflitos de interesses e paixões. E, de fato, há muitas maneiras de recuperar tal simplicidade e resolver os problemas – de que hoje tanto falamos, porque suas conseqüências muito se agravaram.

Aqui, vou me restringir a falar do que chamo de meios voluntários de solução de conflitos, se preferirem, em especial da mediação e da arbitragem: formas e técnicas específicas de – exatamente – decidir conflitos. São voluntários porque as próprias partes – as pessoas envolvidas, cujos interesses ou paixões contendem – optam por se submeter a elas e esta opção significa conquistar determinados direitos e assumir determinadas responsabilidades.

Mas por quais razões as partes escolheriam a mediação e a arbitragem para a solução de seus conflitos e não se submeteriam aos modos tradicionais de decisão? Não vou falar, aqui, dos vícios dos modos tradicionais, apenas referir algumas das qualidades dos meios voluntários: especialidade, adequação, envolvimento das partes e eficácia das decisões.

Na mediação e na arbitragem, as partes escolhem quem irá mediar ou arbitrar seu conflito: como mediador, essa pessoa vai ajudar as partes a resolver o conflito por meio de mecanismos que as levem a compor seus interesses e paixões e – elas mesmas – encontrar a melhor solução; se árbitro, a decidir por elas, seguindo, também, um método apropriado.

Mas esse mediador e esse árbitro não são e não podem ser profissionais da mediação e da arbitragem, porque, senão, a coisa toda desandaria e teríamos de voltar a engolir os vícios (a profissionalização, o decorrente corporativismo, o apego às formalidades, os gastos desnecessários, etc.) que tão bem conhecemos. Escolhem-se árbitros e mediadores porque e enquanto estes são especialistas, pessoas experientes e de credibilidade – por atuação ética – em determinada área de atividade, em um ramo específico de conhecimento, em dada técnica. Se podem escolher e eleger um especialista no assunto que discutem, é evidente que a responsabilidade das partes aumenta, ainda mais porque podem e devem se engajar no procedimento de decisão, participando da escolha de seus modos (de proceder e de decidir) e fiscalizando continuamente o trabalho do especialista escolhido. As partes, portanto, junto com o mediador e o árbitro, vão adequando o processo e a decisão às feições do próprio conflito e desse envolvimento – e do emprego correto das técnicas dos meios voluntários de solução de conflitos – resulta uma decisão mais eficaz, quer dizer, apta a ser cumprida: a parte que a deve cumprir saindo convencida de que aquela foi a melhor decisão, porque participou de toda a sua formação.

Sublinhe-se, agora: tudo isto que foi dito aqui resulta da construção, nos últimos onze anos, de uma teoria e de uma experiência – sérias e éticas – da CBMA (Câmara Brasileira da Mediação e Arbitragem). Esta observação é importante porque andam por aí outras tantas concepções dos temas que aqui tratamos e se deve saber entender as diferenças desde logo. A CBMA é uma instituição sem finalidade lucrativa voltada a administrar procedimentos de mediação e arbitragem, isto é, assistir o árbitro e o mediador escolhidos para que levem avante o processo de decisão de modo correto e rápido, empregando as técnicas adequadas, bem como, principalmente, assessorar as partes a participar de modo efetivo desse processo e as auxiliar a fiscalizar o trabalho do mediador e do árbitro e a manutenção de sua imparcialidade.

Resta responder a uma indagação: é praticável empregar os meios voluntários de solução de conflitos para as relações de trabalho? E o faço de modo breve:

Sim, em primeiro lugar, porque, sem dúvida alguma, essas relações têm – talvez mais do que qualquer outra – as características que referi logo no início deste pequeno artigo. Em segundo lugar, porque tais relações resultam, em grande parte, de pactos havidos entre as partes envolvidas – que, aliás, precisam ser a cada dia aperfeiçoados e este aperfeiçoamento só vai decorrer da escolha certa dos modos de solução de conflitos.

É aceitável, pois, nesses pactos provisórios, aos próprios interessados, que façam inserir uma cláusula que lhes permita a opção da solução dos conflitos que vierem a existir por meio da mediação e da arbitragem. Devem tomar apenas a cautela de garantir o respeito aos direitos fundamentais das partes, aos princípios que conduzam a um processo ético e justo, sobretudo a igualdade entre as partes – com sua efetiva participação e fiscalização – e a imparcialidade.

Este primeiro passo resolvido, da próxima vez poderemos conversar sobre o procedimento de decisão na mediação e na arbitragem e explicar como devem atuar as partes, o árbitro, o mediador e a instituição arbitral.

Alfredo Attié Junior
Juiz de Direito em São Paulo e autor e co-
ordenador do projeto da CBMA – Câmara
Brasileira de Mediação e Arbitragem.

Caso haja interesse, cópia da legislação pode ser solicitada junto ao Setor Jurídico, pelo telefone (011) 224-0566 ramal 215/241.

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