ARBITRAGEM E JUSTIÇA DO TRABALHO
ANÁLISE DA LEI 9.307/96

Juiz do Trabalho Alexandre Nery de Oliveira

Arbitragem e Justiça do Trabalho.

A Lei 9.307/96 não contém qualquer vício de constitucionalidade no concernente à aplicabilidade de seus preceitos em relação a conflitos, individuais ou coletivos, de natureza trabalhista ou sindical, desde que a instituição da arbitragem haja decorrido de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

O direito de ação e defesa não é absoluto, ficando submisso aos requisitos e condições estabelecidos pela legislação processual e, assim, permanece a Justiça do Trabalho competente para o conhecimento e julgamento das controvérsias decorrentes de alegado defeito ou vício da arbitragem prometida ou instituída, quando prevista em cláusula compromissória coletiva, e amplo para todos os demais casos não inseridos pelos interessados como de competência de árbitro ou tribunal arbitral.

A Justiça do Trabalho depara-se, como outras inovações no campo do Processo, agora com a questão da adequabilidade dos preceitos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (DOU. de 24.09.96), que dispõe sobre a arbitragem, em relação às controvérsias de sua competência.

A Lei da Arbitragem enuncia sua aplicabilidade aos litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis sempre que envolvidas partes capazes de contratar, sendo instituída por compromisso dos mesmos, subtraindo do Judiciário estatal a questão concernente ao conflito (artigos 1º e 3º).

Ora, inequivocamente os direitos que se questionam costumeiramente perante a Justiça do Trabalho envolvem direitos patrimoniais disponíveis e pressupõem a capacidade das partes para ajustarem as condições da relação jurídico-material instaurada, ainda que o Estado os mesmos proteja pela presunção de desequilíbrio na relação decorrente do contrato de trabalho entre o patrão e o trabalhador pelo maior poderio do capital, quando não envolvidas partes diversas em razão de controvérsia decorrente da relação do trabalho, nos termos de lei própria, como admite o artigo 114 da Constituição Federal.

Neste sentido, a análise preliminar dos preceitos iniciais da Lei da Arbitragem não afasta do campo de sua aplicação as causas trabalhistas puras nem outras decorrentes submetidas à jurisdição trabalhista

O artigo 114 da Constituição, que dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho, assevera, em relação aos dissídios coletivos, a possibilidade da arbitragem como meio de solução do conflito, tanto assim que condiciona a possibilidade do ajuizamento daquele à frustração da negociação coletiva ou à recusa das partes à arbitragem.

Não sobejam dúvidas de que os preceitos da Lei 9.307/96 são plenamente aplicáveis quando o conflito se instaure entre as categorias patronais e obreiras, ainda que em parte delas, e desde que as partes envolvidas hajam antes ou no curso do conflito coletivo estabelecido, em compromisso, a instituição da arbitragem como meio de solução do litígio.

A questão maior que se tem colocado é a da adequabilidade dos preceitos da Lei 9.307/96 quando seja o caso de dissídio de natureza individual.

Tenho defendido não ser aceitável a inserção de cláusulas compromissórias de arbitragem no seio de contratos individuais de trabalho relativamente a controvérsias quaisquer e notadamente deles decorrentes, por permitir a configuração de abusos e a própria imposição da vontade do patrão contratante sobre o trabalhador, que a par das vezes já se submete a apenas aderir ao ajuste proposto pelo detentor do capital e pretenso remunerador do trabalho a ser desempenhado. Em tais casos, inequivocamente haveria a possibilidade do decreto judicial de nulidade de tal cláusula compromissória.

No entanto, nada impede que a cláusula compromissória de arbitragem venha inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho, onde a participação do sindicato generaliza a norma para toda a categoria ou grupo. Neste sentido, a plena aplicabilidade da cláusula compromissória no âmbito da categoria ou grupo decorreria do apoio no artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição, que enuncia o amplo reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho. A tal modo, então, poderia passar a arbitragem a ser aplicada como instrumento de solução extrajudicial também de conflitos individuais de trabalho. Sendo assim, a cláusula inserida no contrato individual que apenas fosse referência à cláusula coletiva não teria vício algum de nulidade, reafirmando apenas a vontade individual das partes a tal modo de solução dos conflitos concernentes ao contrato de trabalho, embora e inclusive por desnecessária, ante a existência de norma de maior envergadura, de caráter coletivo (artigo 4º).

Entendo que a indicação do parágrafo 1º do artigo 114 da Constituição no sentido de permitir a instauração do dissídio coletivo apenas se frustrada a negociação ou se recusada pelas partes a arbitragem não é restritiva, mas apenas condição de admissibilidade da ação coletiva, como inclusive tem enunciado o Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Assim, a arbitragem não é restritiva a vir como instrumento de solução de conflitos coletivos de trabalho, mas também os individuais, desde que, contudo, neste caso a cláusula compromissória decorra de norma coletiva, em face do artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, permanecendo possível a invocação, noutros casos, do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, no sentido de decretação da nulidade da cláusula de contrato individual que não se apóie em acordo ou convenção coletiva do trabalho instituidora da arbitragem para a categoria nos casos que especificar (artigos 32, I, e 33).

Também não entendo haver mácula ao direito constitucional de ação pela obrigatoriedade à arbitragem, eis que esta não é imposta pela respectiva Lei, mas, seguindo suas normas gerais, aceita pelas partes como decorrente de compromisso da categoria a que vinculado, sendo sua instituição mera faculdade (artigos 3º e 4º). Temos que ter ainda em consideração que o artigo 5º da Constituição, quando estabelece o direito de ação junto ao Judiciário, não diz que este se exerce indistintamente, como inclusive ressalta o Colendo Supremo Tribunal Federal, que enuncia, no exame do artigo 5º, incisos XXXV e LV, ser o direito de ação e defesa condicionado aos requisitos e condições estipulados na legislação processual, sem caráter absoluto. A tal modo, perfeita a possibilidade de resguardar o exame de vícios da arbitragem aos pactuantes por ação junto ao Judiciário, inibindo a rediscussão das controvérsias materias que a ensejaram, pela aceitabilidade do ajuste coletivo que estipule a submissão da categoria à arbitragem, ainda que em casos específicos. Ora, a adoção da arbitragem a tal modo é plenamente ajustada à Constituição Federal, pois preserva o direito de ação trabalhista àqueles cujas categorias não estabeleceram a norma compromissória para arbitragem, e doutro lado preserva o direito de ação de nulidade da arbitragem para aqueles que hajam estabelecido a mesma no seio da respectiva categoria. Mais do que as propaladas comissões prévias de conciliação que surgiram em alguns projetos de reformulação do Processo do Trabalho e que, estes sim, surgiam como inibidores do direito constitucional de ação, porque condições de admissibilidade da mesma, no caso da arbitragem a parte permanece com o direito de ação, embora para discussão de matéria diversa (a própria controvérsia material ou ainda defeitos ou nulidade da arbitragem pretendida ou realizada) (artigos 6º, parágrafo único, 7º, e 33).

Pensarmos que haveria renúncia de direitos pela submissão a tribunal de arbitragem trabalhista apenas pela possibilidade de que o mesmo decida contrariamente a algum trabalhador ensejaria a mesma discussão em relação à Justiça do Trabalho, e não há que imaginarmos que no seio Judiciário o improvimento de uma pretensão importe em renúncia da mesma e sim no seu não reconhecimento; ademais, a submissão da controvérsia ao tribunal de arbitragem ou a um árbitro único a afasta da intervenção sindical direta, ao mesmo modo como ocorre quando uma controvérsia vem ao Judiciário Especializado. Igualmente, não admitir-se a instituição de arbitragem para conflitos trabalhistas de natureza individual por meio de cláusula compromissória em acordo ou convenção coletiva do trabalho pela possibilidade do sindicato obreiro aceitar imposições patronais em prol de vantagens diversas é renegar a própria essência do artigo 8º, inciso III, da Constituição.

Ora, se é certo que os primeiros passos da arbitragem trabalhista podem ser espinhosos, o seu evoluir pode significar à Justiça do Trabalho uma dignificação de funções, analisando questões que por tão essenciais ao meio social as próprias categorias não admitissem decisões irrecorríveis como as que seriam decorrentes da arbitragem (artigo 18), enquanto a ela submeteriam aquelas outras, inclusive alimentares, cuja recorribilidade exagerada põe termo ao próprio direito do Autor, pois de nada vale o reconhecimento ao crédito alimentar se já se morreu de fome (literalmente ao menos a fome de Justiça).

A Justiça do Trabalho não perde suas funções com a instituição da arbitragem, mas seria dignificada por ter que decidir apenas questões de relevo ou retiradas de tal procedimento extrajudicial; há que se considerar, inclusive, que as propostas de reforma constitucional concernentes ao Judiciário prevêem elenco de competências mais amplo para a Justiça do Trabalho, notadamente para resolver os problemas envolvendo sindicatos e respectivas representações, discussões sobre normas coletivas, e mesmo podendo chegar a absorver a competência criminal relativa a delitos contra a organização do trabalho e à administração da Justiça Laboral. Temos, assim, que nos despirmos daquela mentalidade arcaica de que a Justiça do Trabalho apenas serve a analisar as pequenas questões envolvendo patrões e trabalhadores, quando outras têm repercussões muito mais ampla no meio social jurisdicionado pelo Judiciário Especializado, e outras controvérsias mais podem vir a dignificar a atuação dos Juízos e Tribunais Laborais no impor à sociedade, e especialmente ao meio capital-trabalho, entendimentos tendentes à pacificação dos sujeitos, ensejando a imediata intervenção judicial para solução dos conflitos acaso ocorridos.

Temos que considerar, ainda, que experiências pioneiras se têm verificado no País (como o renomado Núcleo Intersindical de Patrocínio, em Minas Gerais), e outras tantas passam a ser noticiadas desde a edição da Lei 9.307/96. Como nos Estados Unidos da América, por exemplo, a adoção da arbitragem privada e da conciliação assistida por advogados (como agora admite a nossa legislação, inequivocamente para o processo cível, entendo eu também com possibilidades de inserção no processo do trabalho) conseguem dignificar o Judiciário norte-americano como Poder do Estado, enquanto no Brasil isto foi diminuído pela banalização da prestação jurisdicional, procedimentos arcaicos, excesso de recursos a permitir o uso protelatório do processo, e falta de Juízes - e aí outro problema: podemos, para resolver a crise do Judiciário, permitir o ingresso indiscriminado de pessoas desqualificadas para tal mister? - ou será melhor que o Estado-Juiz permita-se apenas resolver causas de relevo, sem prejuízo de que as demais questões privadas não inseridas em compromisso arbitral ou por negociação assistida de advogados possam ser trazidas à discussão por invocação do sempre relembrado artigo 5º da CF/88. Mesmo agora a discussão da crise do Judiciário passou a ser centralizada na necessidade da súmula vinculante, quando as súmulas deveriam ter o caráter de obstaculizar, inclusive na instância ordinária, recursos descabidos - e vejam só: a mesma Lei que alterou o agravo de instrumento cível alterou também a redação de um artigo que pouco tem a ver com o agravo, e que consegue muito do que se pretende com a súmula vinculante: o artigo 557 do CPC, inserido no capítulo da "Ordem dos Processos nos Tribunais", e assim de aplicação geral aos Tribunais brasileiros, inclusive os Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho, e que pode obstaculizar, por decisão singular do Relator, sujeito a mero agravo, recursos manifestamente incabíveis (exame de admissibilidade processual), improcedentes (exame de mérito), prejudicados ou contrários à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior. Poucos perceberam que tal artigo passa a exigir a participação do Colegiado apenas em casos novos, ou para mero exame do acerto ou não do Relator quanto ao trancamento do recurso (e vejam então, se acolhida a decisão, esta tem caráter meramente processual e inibe outros recursos em conformidade com a jurisprudência uniforme ou sumulada). Tudo numa reformulação processual que não pode ser desconhecida pelo Judiciário Trabalhista, notadamente ante a regra de subsidiariedade do Processo Comum (CLT, artigo 769). Afinal, também devemos a Justiça do Trabalho evoluir.

Concluindo, a arbitragem instituída pela Lei 9.307/96, como faculdade das partes à submissão de controvérsias à decisão de árbitros e não como preceito de cunho obrigatório (senão após cláusula compromissória entre as partes interessadas), não afronta o artigo 5º, XXXV e LV, da Constituição, eis que continua a permitir o acesso ao Judiciário, ainda que então restrito para discussões sobre defeitos ou nulidades da arbitragem prometida ou instituída, e, em relação às controvérsias trabalhistas e sindicais, não se restringe ao campo dos dissídios coletivos, eis que o artigo 114 apenas elenca a necessidade de recusa à arbitragem como elemento de admissibilidade da ação concernente a tais controvérsias, sem caráter impeditivo de sua instituição no campo dos dissídios individuais, embora para tanto a cláusula compromissória de arbitragem, sob pena de eventuais abusos patronais, haja que vir originariamente inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho, a que se deve dar amplo reconhecimento, nos termos dos artigos 7º, XXVI, e 8º, III, da Carta Política de Outubro de 1988, permitindo ao árbitro ou ao tribunal arbitral os meios de instrução necessárias à formação de convicção própria à enunciação de sentença arbitral irrecorrível e não sujeita a qualquer homologação judicial (como ocorria no regime anterior do Código de Processo Civil), mas permeável pela ampla possibilidade de perseguição da pacificação do conflito seja pelo direito, seja pela eqüidade, nos prazos estipulados pelos próprios interessados (ou em seis meses, havendo omissão em tal sentido), sendo inclusive menos oneroso para a sociedade e para as partes que a multiplicação inconseqüente de Juízos e Tribunais do Trabalho, porquanto os encargos de sua instituição, por decorrentes de norma coletiva, haveriam que ser suportados pelos sindicatos, responsáveis pela cláusula compromissória de arbitragem para a categoria, em casos especificados, e não pelo Estado ou pelas partes.

Precisamos, principalmente nós da Justiça do Trabalho, reestudarmos o Processo Moderno, para dar-lhe plena eficácia, porque é maior denegação de justiça julgarmos tudo, mas mal, do que enunciarmos à sociedade bons julgamentos, que, bem repercutindo, evitam outras controvérsias no mundo social.

Brasília, 05 de novembro de 1996.

Alexandre Nery Rodrigues de Oliveira 
Juiz do Trabalho, Presidente da Primeira Junta de Conciliação e Julgamento de Brasília-DF - 10ª Região e Professor de Direito Processual do Trabalho
da Faculdade de Direito da AEUDF em Brasília-DF

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