ARBITRAGEM E JURISDIÇÃO:
DIVERSIDADE E NATUREZA JURÍDICA

Juiz do Trabalho Alexandre Nery de Oliveira

A arbitragem, na conformidade da Lei 9.307/97, continua a permear dúvidas, notadamente dentre os magistrados brasileiros, receosos, inequivocamente, de perda de parcela do poder jurisdicional.

Um dos primeiros pontos que têm que ser colocados é o de que a arbitragem não é o meio mágico para desafogar o Judiciário. Em nenhuma Nação do Planeta se conseguiu isto, nem se pode pensar nesta perspectiva de que a arbitragem surge como solução para todas as mazelas judiciárias. Cabe ser centrado o enfoque no sentido de que a arbitragem permite ao litigante via diversa da estatal para a resolução de conflito em que envolvido, situando-se perto da autocomposição derivada do acordo (porque a arbitragem pressupõe estarem os litigantes compromissados em submeter sua controvérsia a terceiro) e perto da jurisdição (porque envolve a entrega da solução a um terceiro imparcial), desta se distinguindo, contudo, porque descaracterizada a decisão arbitral dos pressupostos ideais contidos na jurisdição.

Cabe sempre, assim, ser reprisado que a arbitragem não envolve jurisdição.

A arbitragem tem uma dupla natureza jurídica: contratual e quase-jurisdicional.

Tem-se, até o instante em que se firmam as cláusulas compromissórias, uma nítida natureza contratual para a arbitragem. Aquela mesma natureza que poderia derivar de um acordo entre as partes, com a única diferença de que, enquanto no acordo as partes resolvem encerrar o litígio que está a emperrar a relação entre os mesmos, na arbitragem os dois lados se convencem de que não conseguem chegar, por conta própria, a uma solução e elegem um terceiro para que coloque, para eles, a solução da contenda — a única diferença é esta. Então, se chegar-se ao equívoco de que a arbitragem é jurisdição, o contrato haveria que ter esta conotação, ou chegar muito perto dela. A arbitragem é contratual até o instante da cláusula compromissória.

Tanto assim, que o exame judicial das questões pertinentes à cláusula compromissória acaba por envolver, quando declarada sua validade, a extinção do processo apenas sem julgamento de mérito, conforme artigo 267, inciso VII, do Código de Processo Civil, porque a cláusula compromissória é anterior ao laudo arbitral. Se a cláusula compromissória envolvesse a extinção com julgamento de mérito, o que ocorreria é que a própria arbitragem seria inibida, seria proibida, ou seja, a discussão de que há uma cláusula para que aquele debate seja submetido à arbitragem acarretaria que o Judiciário impediria a própria arbitragem, ainda que reconhecesse a validade do compromisso arbitral, ao examinar, ainda que por via meramente processual, o mérito da própria contenda — é apenas por esta questão que o compromisso arbitral envolve a extinção do processo sem julgamento de mérito, eis que os árbitros ainda não puderam se pronunciar, e o que se coloca até então é se os árbitros vão poder pronunciar-se. A partir do momento em que eles se pronunciem não existe mais a figura do compromisso arbitral e sim a de uma decisão arbitral. Isto é diferente. Se o processo fosse extinto com julgamento de mérito pela mera argüição de que existe o compromisso e que aquele debate deva ser submetido à arbitragem, estaria sendo impedida, então, a própria arbitragem, porque já estaríamos liquidando o mérito, e aí sim a arbitragem poderia suplantar uma revisão jurisdicional.

A partir da cláusula compromissória, de nítido caráter contratual, consta-se que a arbitragem também não é jurisdição — ela, derivando da vontade dos dois lados envolvidos em litígio, vontade contratualmente estabelecida, vai inserir um terceiro estranho à relação de forma que este resolva o conflito, mas não como um órgão jurisdicional. Tenho insistentemente defendido que nesse instante a arbitragem assume características de jurisdição mas não é jurisdição — ela é quase-jurisdição.

Assim, tem-se dupla natureza para a arbitragem: contratual, até o instante da cláusula compromissória, e a partir dali uma natureza quase-jurisdicional.

Por conta disso, os magistrados têm que afastar aqueles receios de que estariam perdendo poder jurisdicional, porque não se pode perder o que outro não pode receber. O juiz não delega nada ao árbitro simplesmente pelo fato de que o árbitro não detém o poder fenomenal que só o juiz detém, por ser órgão do Estado, que é o poder de coercibilidade das suas decisões. Tanto assim que, tal como os contratos, as decisões dos árbitros apenas assumem o efeito de título executivo, sujeito a execução forçada na via judicial. O mesmo efeito que os contratos em geral assumem, inclusive aqueles contratos de acordo. A única coisa que a legislação fez foi reconhecer este efeito de título executivo às decisões dos árbitros. Nada mais.

Ora, se duas pessoas convencionam, acordam que estão prestes a resolverem determinado litígio, mas não estão em condições de fazê-lo, e assim elegem um terceiro para substituírem suas vontades, não haveria muito sentido em negar-se esta vontade das partes. É exatamente nesse meio termo entre a autocomposição e a jurisdição que se desenvolve a arbitragem. Na jurisdição, o outro lado em regra nem sabe que está sendo demandado, se não após citado a obrigatoriamente comparecer em Juízo. Então, para começar-se a análise, a primeira questão é retirar-se o caráter de jurisdição da arbitragem, inclusive porque não está sendo ferido nenhum monopólio jurisdicional.

No exame da constitucionalidade da arbitragem, o fato da Constituição Federal ter inserido no artigo 114 a possibilidade da arbitragem em dissídios coletivos trabalhistas não o tornou cláusula enumerativa das possibilidades de arbitragem. O entendimento contrário, com a devida vênia, levaria a que só a arbitragem em dissídios coletivos do trabalho fosse admitida constitucionalmente, porque só ela foi prevista e elencada na Constituição. Na verdade, aquela indicação do artigo 114 da Constituição tem um outro efeito: o de condição da ação de dissídio coletivo. Tanto assim que o TST tem reconhecido que apenas havendo sido demonstrada a frustração da negociação coletiva ou da tentativa de arbitragem é que poderá ser instaurado o dissídio coletivo. Inclusive porque o Estado não pode compelir as partes a antes submeterem-se à arbitragem. A partir do momento em que o Estado compelisse alguém a antes passar pela arbitragem, esta perderia aquele caráter contratual da metade autocompositiva de que a arbitragem se reveste.

O fato também de que algumas legislações estrangeiras indicarem, às vezes, tribunais arbitrais não caracteriza esses órgãos como judiciais; são apenas órgãos paraestatais admitidos para implementar a composição inicial das partes em resolverem seus litígios por um terceiro que não o Estado.

Com relação à questão do direito de ação, sob o aspecto constitucional, ressai do artigo 5º da Constituição Federal não estar garantido um direito amplo de ação. Tanto assim que se algum acordo é submetido ao Judiciário, este, igualmente como fará ou como deve fazer no caso da decisão arbitral, apenas pode verificar os vícios da formalização daquele acordo, ou daquela decisão arbitral. O Judiciário, quando está envolvido no exame de um acordo formalizado pelas partes, não adentra no mérito desse acordo. Esta perspectiva de que o Judiciário fica inibido de examinar uma decisão arbitral ficaria incompreensível pelo fato de também ficaria, pelos mesmos ora repudiados argumentos, inibido ao exame de um acordo entre as partes, quando aquela mesma decisão arbitral é fruto de uma vontade das partes que apenas elegeram um terceiro para decidir em seus nomes. E vejam como esse é o ponto básico de diferenciação entre a arbitragem e a jurisdição: na arbitragem duas partes convencionam chamar um terceiro; no campo jurisdicional, uma parte chama o juiz para que este chame o segundo elemento da relação material para que coercitivamente venha responder em Juízo, sob pena de arcar com a decisão que a Justiça venha a implementar.

O artigo 5º da Constituição não garante o direito absoluto de ação. Se fosse assim nós não teríamos como repelir a argumentação de ter a ação rescisória cláusulas de possibilidade para ajuizamento. Ninguém aceita que uma ação rescisória possa vir com qualquer elemento invocado pela parte; a ação rescisória deve observar os requisitos legais. Os próprios embargos à execução, que no Processo Civil são considerados ação, e na Justiça do Trabalho são ainda permeados de dúvidas, têm também elencadas as condições em que podem ser apresentados; nenhum magistrado aceita embargos à execução propostos com uma série de argumentações que não estejam legalmente autorizadas. E isto tudo a demonstrar que o direito de ação é relativo — ele está sujeito a determinadas condicionantes. Se não fosse assim, inclusive, não precisariam ser estudadas no Direito Processual as condições da ação. Estudam-se as condições da ação exatamente porque o direito de ação é condicionado, porque o direito constitucional de ação é relativo.

Então, constitucionalmente tem-se que repelir essa argumentação de que a arbitragem é inconstitucional e de que ela só seria possível para os dissídios coletivos — ela é possível, e em relação aos dissídios coletivos vem indicada apenas como cláusula de condição da ação do dissídio coletivo trabalhista a ser instaurado. Ela não está inibida pelo fato do direito de ação, eis que este é meramente relativo e não absoluto, e toda discussão vem sobretudo a partir da constatação de que a arbitragem não envolve monopólio jurisdicional porque não é jurisdição. Logo, toda discussão, tal qual aquela que envolve os contratos, embora nestes as próprias partes é que se resolvem, estará submetida ao Judiciário para verificar se os procedimentos acordados ou permitidos pelas partes foram respeitados.

Neste sentido o entendimento do Professor Welber Barral, verbis:

“(...) Não se trata, aqui, propriamente de um mito, mas de análise equivocada da natureza jurídica da arbitragem e dos limites impostos pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988. Uma resposta fácil a esta assertiva seria dizer que o dispositivo constitucional se dirige ao legislador, no sentido de não afastar a apreciação pelo Judiciário, enquanto na arbitragem esse afastamento se efetiva pela própria vontade das partes, em relação a direito sobre o qual têm disponibilidade. Se podem contratar, transacionar ou dispor do direito em questão, as partes podem delegar a terceiro o direito de determinar o destino do mesmo. (...)”

in “A Arbitragem e seus Mitos” apud Revista da Escola Paulista da Magistratura, Ano 2, nº 5, julho/dezembro de 1998, pp. 148/149.

Com relação ao discutido problema da adequação da legislação ao Direito e ao Processo do Trabalho, campo onde permeiam as maiores dúvidas quanto sua à aplicabilidade da arbitragem, tem-se que começar a considerar o contrato de trabalho mais adequadamente como um contrato de adesão. Poucas vezes se vê um trabalhador que consegue ter maior poderio que a própria empresa; nesses casos não poucas vezes cabe desconfiar se tal trabalhador não é em verdade sócio da empresa. A tal modo, constata-se que o contrato empregatício se caracteriza muito mais como contrato de adesão, e a legislação da arbitragem, que é a Lei 9.307, prevê requisitos basilares dos contratos de adesão para submissão à arbitragem.

Ora, mas ainda há um segundo princípio: o trabalhador em regra é hipossuficiente, inclusive para poder repelir algumas práticas do empregador. Não se poderia, logicamente, permitir que o empregador elegesse e remunerasse o árbitro, e é por isso que os sindicatos podem e devem atuar nesta esfera, já que os contratos de trabalho são nitidamente contratos de adesão e pressupõem, pela própria lei, a necessidade de cláusulas uniformes para a instituição da arbitragem, cláusulas uniformes que no campo trabalhista vêm exatamente pelas convenções e acordos coletivos de trabalho, permitindo-se que os sindicatos estabeleçam tais cláusulas compromissórias de modo que a adesão que o trabalhador faça quando se estabelece uma relação individual de trabalho resolva também que determinados conflitos possam ser discutidos no campo arbitral. E decididos apenas em determinados limites, porque todo exame de formalidade, o próprio aspecto de eventual nulidade, estará devolvido à jurisdição trabalhista, que nunca foi retirada do Judiciário, exatamente porque a arbitragem não envolve jurisdição. O que se vão retirar são apenas algumas discussões no campo material, de mérito residual, escolhidas pelas próprias partes envolvidas na lide. Se não se considerar o contrato de trabalho como contrato de adesão, outro nome se conseguirá que terá o mesmo efeito, eis que o trabalhador é submetido a determinada condição. Igualmente por isso, a arbitragem apenas não consegue ser aceita quando estipulada exclusivamente num contrato individual de trabalho, porque logicamente não há como considerar-se válida a cláusula em que o árbitro e o procedimento de arbitragem sejam determinados pelo empregador. É por isso que cabe defender que a instituição da cláusula compromissória deve vir por norma coletiva que tem o caráter de admitir toda a categoria ou grupo e como cláusula uniforme consegue, aí sim, ser aplicada ao contrato individual trabalhista. É exatamente a questão da uniformidade da cláusula que vai afetar o contrato de adesão trabalhista. Se não admitir-se esse caráter da uniformização da cláusula compromissória pelo via do acordo ou da convenção coletiva, também haveria a perda da caracterização do contrato de trabalho como de adesão ou de curvatura ao que o empregador submete ao empregado.

O Processo do Trabalho, que foi o grande impulsionador de reformas do Processo Civil, hoje está a reboque dele. No Processo Civil já se reconheceu a validade absoluta de determinados títulos executivos, mas o contrato de trabalho, que é um título executivo, depende, no Processo do Trabalho, de todo um processo cognitivo.

A Magistratura do Trabalho enfrenta hoje um grande problema: o empregador pode assinar uma folha dizendo que reconhece dever ao empregado uma determinada importância, mas, pela sistemática do Processo do Trabalho, deve-se passar por todos os procedimentos cognitivos para só então executar aquele reconhecimento — esta é uma discussão que deve passar pelo exame das ações monitórias, igualmente de grande relevo para o aprimoramento das relações laborais submetidas ao exame judicial, eis que imprime segurança e celeridade na execução de créditos reconhecidos. No Processo Civil, a evolução de dar maior campo de validade aos títulos executivos passou também pelo exemplo dos advogados poderem previamente transacionar o direito de seus clientes, firmando por eles ou em sua assistência válido título — não se pode aceitar que por repulsa inicial todos os advogados vão atacar os interesses de seus clientes; ora, os clientes estão representados por seus advogados, formalizam os termos de ajuste e são por aqueles assistidos. Na Justiça Comum o termo de ajuste é um título executivo que resolve a demanda material; no campo da Justiça do Trabalho o que está acontecendo é que os advogados estão iludindo o Judiciário, simulando em audiências acordos muito antes formalizados — advogados respeitados estão enfrentando um drama na esfera trabalhista ao antes contatarem os escritórios adversários e formalizarem acordos, mas terem que simular uma apresentação em audiência apenas para que aqueles acordos efetivamente realizados fora da esfera judiciária não possam ser declarados pelos Juízes do Trabalho como nulos, como se apenas a Justiça do Trabalho tivesse a atribuição absoluta de discutir as relações trabalhistas, campo que não se confunde com a resolução definitiva e coercitiva das decisões acordadas ou adotadas, privativa do Judiciário como Poder do Estado.

Com a arbitragem é a mesma coisa. O que se estabelece é que alguns conflitos, por vontade das próprias categorias, poderão ser retirados da esfera judiciária para decisões de mérito, e nunca para as discussões se os procedimentos arbitrais foram adequadamente instaurados, nunca para as discussões se as nulidades existem ou não — isto é privativo do Judiciário, inclusive pelo campo restrito de que aquelas arbitragens apenas alcançam o efeito de títulos executivos.

Isto afeta inclusive a discussão acerca da representação classista na Justiça do Trabalho, quando tais dirigentes ou representantes sindicais têm maior campo de atuação na fase pré-litígio ou mesmo pré-processual.

O grande norte evidenciado com relação ao problema dos representantes classistas é retirar toda a atuação deles no campo jurisdicional e demonstrar para eles que a participação conciliatória ou arbitral, nos sindicatos e antes da provocação jurisdicional, seria muito mais eficaz. Podem ser eles mesmos aqueles árbitros escolhidos para examinar a relação laboral. Por isso, também, não se pode colocar a arbitragem na Justiça do Trabalho — se colocar-se a arbitragem na Justiça do Trabalho ela será apenas mais um órgão jurisdicional, o que é inadmissível; tem-se que inserir a arbitragem na Relação Trabalhista, antes de fazer-se a provocação jurisdicional.

Então, constitucionalmente, a arbitragem é possível, e legalmente totalmente compatível com o Direito Processual, inclusive com o Processo do Trabalho. Tem-se apenas que mudar a mentalidade jurídica brasileira atual e começar-se a aceitar títulos executivos na esfera trabalhista, ainda que hoje, com a presença dos classistas, talvez se tenha que passar em alguns casos necessariamente pela Junta Colegiada, enquanto não reformulada a composição paritária, que pouco tem contribuído para o aprimoramento da Justiça do Trabalho, enquanto a atuação sindical muito mais seria prestigiada se colaborasse para a retenção de certos conflitos no âmbito pré-judiciário.

A questão do tempo de resolução de conflitos pela via da arbitragem ser ou não menor que o decorrente das vias procedimentais do Processo Civil e do Trabalho não é o tema que tem que ser discutido — o que tem que ser discutido é a nova postura do brasileiro de evitar a demanda. O Judiciário nada ganha em aceitar demandas. Tem-se é que, sobretudo enquanto magistrados, repelir que a demanda chegue ao Judiciário, com argumentos principalmente de ordem cultural. Corre-se o risco de em breve existirem milhares de Juízos e centenas de Tribunais e ainda assim não se dar conta das demandas, que só tendem por ora a crescer, e inclusive ultimamente tem crescido em progressão superior ao aumento populacional, em decorrência da demanda reprimida que aflorou sobretudo após a Constituição de 1988, inclusive pela conscientização de direitos por parte do cidadão.

Então cabe retirar a perspectiva de que a arbitragem é um modo de resolver a crise do Judiciário. O que se tem discutido, e com boa aceitação desta perspectiva, é que para resolver-se a crise do Judiciário os Juízes têm que provocar mudanças no Processo, além de soluções para a segunda instância como os recursos com obstáculos, eis que no primeiro grau continuam adentrando aquelas mesmas demandas — não se consegue dar um filtro à pretensão do sujeito em litígio. O máximo que se consegue é o pronunciamento do Juiz para repelir aquela pretensão postulatória indevida ou já cansativamente decidida em inúmeros anteriores precedentes.

A medida, portanto, é incentivar essas soluções alternativas de conflitos — tem-se que incentivar os acordos extrajudiciais, que incentivar as mediações, que incentivar as arbitragens, que incentivar qualquer outro meio que iniba o demandismo do brasileiro. Não haverá fórmula mágica alguma que possa inibir a crise no primeiro grau jurisdicional se não houver essa mudança de cultura, passando pela mudança de que títulos formalizados fora da Justiça do Trabalho serão pela mesma respeitados e executados, porque só ela poderá executar um título desses. Porque se falta ao contrato de trabalho estabelecido o poder coercitivo, executório imediato, tal não pode ocorrer quando a confissão de dívida se verifica por título idôneo, ainda que extrajudicial. Do mesmo jeito, o laudo arbitral, se não é cumprido, demandará a prática de execução na Justiça. Então tem-se é que mudar a cultura brasileira de como receber-se tais títulos perante a Justiça do Trabalho. Se ainda não há uma sistemática de que o Juiz monocraticamente pode resolver isso, que tal exame passe então pela Junta, enquanto persistir a existência colegiada dos Juízos de Primeiro Grau Laboral. Conseguir-se-á resolver, aí sim, os problemas de cultura do brasileiro, pela diminuição de demandas impostas à Justiça do Trabalho, e conseguiremos evoluir. Terá a Justiça do Trabalho tempo para cuidar daquelas decisões que têm uma grande repercussão trabalhista, inclusive porque só os Juízes criam algo que é salutar para a sociedade que é a jurisprudência — é com a jurisprudência que se firmam condutas sociais.

A partir do momento em que alguns conflitos menores sejam deslocados para o campo conciliatório prévio ou para o campo arbitral, esses conflitos não conseguirão o conceito de jurisprudência que só o Judiciário efetiva em decorrência do caráter político do exercício jurisdicional, por conta de decisões de caráter final e incontestável.

O brasileiro, na verdade, já tinha a cultura da arbitragem. O que houve é que a adoção do Código de 1973 (CPC), em que o denominado juízo arbitral em tudo era submetido ao Judiciário, acarretou que ninguém, em sã consciência, iria levar a questão ao árbitro, cuja decisão necessariamente haveria que ser submetida ao Judiciário, e daí enfrentar todas as mazelas próprias da instauração do processo judicial. Ora, então era melhor instaurar diretamente o processo judicial — não haveria razão para a instauração prévia da arbitragem. A cultura do brasileiro viu-se rompida por tais procedimentos instituídos pelo Código de Processo Civil de 1973 inadequadamente. A instituição da Lei 9.307 visa exatamente resgatar aquilo que vigia desde o princípio do século, quando muitos conflitos eram levados à arbitragem.

Hoje, essa mexida cultural que a legislação tenta provocar já se faz sentida em alguns lugares, como denota o trabalho do Juiz Antonio Gomes Vasconcelos, da Egrégia JCJ de Patrocínio-MG, em que o Núcleo Intersindical lá instituído envolve um Conselho Arbitral naquela cidade, e essa prática tem conseguido ser disseminada para outras Regiões. A sistemática que foi adotada é muito inteligente, em que as categorias submetem determinados conflitos a uma prática conciliatória e que permite que aquele conflito seja arbitrado quando frustrada a tentativa de acordo. Isso, segundo o trabalho do colega Antonio Gomes Vasconcelos, tem conseguido bons resultados práticos de diminuição das ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, permitindo que esta aprecie efetivamente as contendas provocadas, em que o grau de litigiosidade por regra inibe a conciliação e o compromisso arbitral, e que, por vezes, é tamanho que mesmo a atuação do Juiz na tentativa conciliatória se encontra reprimida pela predisposição das partes contrariamente a uma solução pacífica e não imposta pelo Judiciário. A prática obtida em Patrocínio-MG e cidades de arredores é salutar e deve ser examinada.

O problema da cultura nacional é decorrente da constatação de que o brasileiro antes normatiza o fato, aculturando-se conforme a positivação estabelecida, e não o contrário, raramente havendo leis que conformaram situações naturalmente estabelecidas pela sociedade — no Brasil, se estabelece mais o Direito Positivo que o Direito Costumeiro.

E por conta disso, enquanto não vem a legislação ou a disposição de interpretá-la extensivamente, as arbitragens estão sendo feitas às escondidas, na esperança de que as partes se resolvam. Tem-se, pois, é que institucionalizar o reconhecimento dessa prestação de tutela arbitral como título executivo perante a Justiça do Trabalho e os demais ramos da Justiça nacional para que se tenha exatamente o resgate do exame jurídico. As partes fazerem as coisas às escondidas, como se os Juízes fossem os algozes de suas vontades enseja que se altere também e sobretudo a cultura dos Magistrados brasileiros.

Com isso, resolver-se-á um grande problema da Justiça por um meio oblíquo: o do estabelecimento de uma nova cultura, do brasileiro não demandar por qualquer coisa, buscando-se solução alternativa para os litígios estabelecidos, quando não possível a conformação à jurisprudência, e apenas recorrendo ao Judiciário quando a via jurisdicional seja a única que denote condição de resolver em definitivo a controvérsia, tanto quanto possível a sinalizar, para casos similares, a oportunidade de novas condutas a serem praticadas, e novos litígios a serem evitados.

Brasília, 14 de janeiro de 1999.

ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA  
Juiz do Trabalho - Presidente da Primeira Junta de Brasília-DF

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