A MEDIAÇÃO E A ARBITRAGEM COMO SOLUÇÃO
DOS CONFLITOS TRABALHISTAS

Ministro Orlando Teixeira da Costa 

Eu estou aqui não como Ministro, mas como um colega. Para mim, o título que eu posso exibir, principalmente ao comparecer a uma Assembléia de que participam Juízes do Trabalho, é dizer que eu sou colega de vocês e que vocês são meus colegas. Não quero nenhum tratamento especial em razão do título que detenho em decorrência da Lei ou da Constituição. Ele é para ser usado e reverenciado nas ocasiões de relacionamento formal, em situação de julgamento. Fora daí, eu quero ser apenas o Orlando, que está aqui para falar como colega e como amigo de todos vocês.

O Excelentíssimo Senhor Juiz representante do Presidente deste Tribunal disse que me recebia com satisfação e orgulho, mas quero dizer que a satisfação e o orgulho são bem mais meus do que do Tribunal da 3a. Região, porque sempre procurei me aproximar, da 3ª Região, durante o tempo em que exerci a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho. Mas, infelizmente, uma série de entraves, toda vez em que eu vinha a Minas Gerais, impedia-me de ser recebido pelo Tribunal. Agora, estou nesta Casa, com muita satisfação, depois de muitos anos, em que era Presidente o Dr. Alfio. Depois daquela ocasião, Dr. Alfio, é a primeira vez que venho aqui.

Sua Exa., Dr. Alfio, era o Presidente do Regional. Vim participar de uma reunião de Presidentes; depois nunca mais aqui estive, isto é, no Regional, no Tribunal, embora tenha estado em Juntas do interior da 3a. Região, como, por exemplo, recentemente, em Patrocínio, em uma reunião muito simpática, a respeito da qual eu pretendo me referir durante esta exposição.

Dessa maneira, é com imensa satisfação que estou aqui revendo amigos e fazendo novas amizades - assim espero - em decorrência da exposição que vou procurar iniciar.

Solicitaram-me para falar de mediação e arbitragem como solução dos conflitos do trabalho. Como se tratam de duas técnicas ou de dois procedimentos usualmente eleitos para a solução de conflitos trabalhistas, vou procurar atribuir, inicialmente, à minha exposição, um dimensionamento acadêmico e ao mesmo tempo didático, rememorando certas noções que entendo indispensáveis ao encaminhamento do assunto; depois, procurarei me deter no esforço recente que aqui no Brasil está sendo desenvolvido para a sua implantação, a fim de que possamos avaliar as vantagens e desvantagens que daí poderão advir.

A mediação e a arbitragem têm que pressupor necessariamente um conflito. Ninguém pode mediar nada, ninguém pode arbitrar nada se não houver conflito. É preciso que se identifique um conflito para que se possa eleger essas duas técnicas, esses dois procedimentos - a mediação e a arbitragem - como maneiras de solucioná-lo. A mediação e a arbitragem são eminentemente, portanto, técnicas ou procedimentos que visam apaziguar as partes que se defrontam através de um conflito.

Por isso, antes de chegarmos propriamente à mediação e à arbitragem, convém que nos detenhamos na origem daquilo que vai redundar na escolha da mediação e da arbitragem como procedimentos para solucionar a oposição. E, neste sentido, temos que lembrar que o conflito se encontra na sociedade, como parte daquilo que se chama processo social. O processo social é caracterizado por relacionamentos que visam à associação ou à dissociação das pessoas, à unificação ou ao antagonismo porque, em decorrência da nossa diferenciação, somos levados, necessariamente, a competir, e essa competição, quando chega a um grau elevado e consciente, transforma-se em conflito.

A nossa diferenciação decorre de vários fatores, a começar pelos de índole biológica: não apresentamos o mesmo sexo, somos homens ou mulheres; não apresentamos a mesma cor, somos pretos, brancos, amarelos, enfim, de um variado matiz, conforme a classificação racial. Nós somos de línguas diferentes, de etnias diferentes, de religiões diferentes. Temos capacidades intelectuais diferenciadas. Uns são mais inteligentes; outros, menos inteligentes, e tudo isso concorre para que, dentro desse processo de diferenciação, exerçamos uma competição, uma concorrência permanente dentro da vida social que, ao se tornar consciente, transforma-se em conflito.

Quando competimos inconscientemente, não há conflito. Isto ocorre em todos os planos, inclusive no plano ecológico. Vou dar um exemplo que pode ser até risível: nós competimos até ao respirar, uns querendo inspirar mais oxigênio do que outros. No momento, não há nenhum problema quanto a isto, mas, se um dia houver falta de oxigênio no mundo, será grave: já não se poderá inspirar tão fortemente, teremos que inspirar até determinado ponto porque senão haverá prejuízo para os que estão por perto. Por enquanto isto não é empecilho, mas, quem sabe se, com a diminuição da camada de ozônio, não haverá problemas de mudança no oxigênio, na sua rarefação? Não sei. Não sou técnico no assunto. Poderia chegar até a modificar a competição ecológica - que normalmente se desenvolve entre nós pelo mecanismo natural, hoje absolutamente aceito, e de que ninguém tem consciência, qual seja o ato de respirar - , se não vier a ser motivo de conflito.

Eis, pois, o que leva ao conflito: a nossa diferenciação, a maneira de sermos diferentes. Quando esta diferenciação chega a um estado de consciência, a propensão é para que a concorrência, a competição, se transforme necessariamente em conflito. No plano trabalhista, o conflito ocorre porque as pessoas lutam pela vida. Quando trabalhamos, esforçamo-nos para obter os bens necessários à sobrevivência. E o mesmo aqui ocorre. Enquanto não há consciência dessa competição, tudo segue suasoriamente. À medida, entretanto, que vamos verificando que o nosso trabalho está repercutindo sobre a atividade dos outros, mais do que isso, que a atividade dos outros está repercutindo sobre o nosso trabalho, tal constatação pode levar-nos a uma tomada de consciência do problema e a ver, naqueles que executam tarefas semelhantes à nossa, ou dentro de um mesmo processo no qual estamos envolvidos, essa consciência, que poderá gerar uma situação de conflito.

O conflito, portanto, é chamado do trabalho quando os sujeitos da conexão/relação se opõem entre si em razão do trabalho humano ou dos frutos dele resultantes. Dessa maneira, passamos a identificar as diversas oposições que surgem, tipificadas por aquela tecnologia jurídica que já é muito conhecida de todos nós. Surgem, então, os conflitos de trabalho, divididos em conflitos individuais e conflitos coletivos. Os conflitos individuais, em singulares e plúrimos, e os conflitos coletivos, em conflitos de natureza econômica e conflitos de natureza jurídica. Estou apenas me reportando à nomenclatura, sem adentrar na sua conceituação porque tenho certeza de que ela é familiar a todos aqueles que aqui se encontram. Não há necessidade, portanto, de que eu agora derive para uma exposição explicando o que é dissídio individual, dissídio coletivo, dissídio individual singular ou plúrimo, dissídio coletivo de natureza jurídica e de natureza econômica. Quero somente evidenciar, neste momento, que os conflitos de trabalho dentro do nosso sistema jurídico são normalmente caracterizados da maneira que acabo de rememorar.

Se há conflito, há necessidade de solução. E quais são essas soluções? No plano do processo social, o conflito é solucionado através de três processos: o processo de acomodação, o processo de cooperação e o processo de assimilação, que se antepõem exatamente àquelas três gradações: a diferenciação, a competição e o conflito.
A acomodação, que é necessária no plano do processo social, no plano jurídico, encontra soluções que levam a técnicas a serem adotadas, que são ora de natureza autônoma, ora de natureza heterônoma, isto é, ora as partes elegem a própria solução a dar ao seu conflito, ora a sociedade apresenta um intermediário para solucionar o conflito entre as partes que se opõem.

Conforme a família jurídica a que nos integramos, a solução tem sido bastante diversificada na escolha das soluções. Nos países de Common Law, por exemplo, predominam as soluções autônomas, enquanto nos países de legislação codificada, como o nosso, a solução preferida é a heterônoma. Portanto, nos países de Common Law, prefere-se que as partes elejam as suas próprias soluções, procurem elas mesmas a solução, trabalhando neste ou naquele sentido. Quando se trata de países como o nosso, de legislação codificada, normalmente a legislação aponta as soluções, cuja escolha é feita através da intermediação de um órgão da Administração Pública ou de um órgão do Poder Judiciário. Nos países de Common Law, as técnicas autônomas preferentemente eleitas são exatamente aquelas que intitulam a minha exposição: a mediação e a arbitragem. E, justamente porque somos um país de legislação codificada, que normalmente define as soluções através da lei, elas são soluções heterônomas e não autônomas. A mediação e a arbitragem, até aqui, têm sido bastante relegadas a segundo plano e, muitas vezes, completamente esquecidas entre nós.

O problema da mediação e da arbitragem, que condiciona, em grande parte, o nosso ajustamento à solução mais de natureza heterônoma que autônoma, é o fato de que, ambas essas técnicas, ambos os procedimentos, são procedimentos custeados pelas partes. E nós somos bastante pragmáticos, no particular, preferindo que o custeio seja feito pelo Estado; por isso, preferimos uma solução heterônoma, porque, convenhamos, as causas na Justiça do Trabalho são praticamente gratuitas. As custas são insignificantes e, quando existem, quase sempre são pagas por aquele que possui o maior poder aquisitivo, que é o empregador.

A mediação e a arbitragem, entretanto, quando escolhidas pelas partes, são exercidas por pessoas capacitadas a conduzir essa mediação e essa arbitragem, que, portanto, devem ser remuneradas. Não julguem que a solução preferida pelos países de Common Law não importa em gasto. Importa. Importa sim. As partes custeiam o árbitro e custeiam o mediador, porque ninguém trabalha de graça. Ninguém presta um serviço, muitas vezes bastante relevante pela repercussão do conflito a solucionar, sem receber os competentes honorários. Nos países de Common Law, isso é absolutamente aceito com certa tranqüilidade. Eu acabo de empreender, no mês de julho passado, uma viagem de estudos, com um grupo de brasileiros, aos Estados Unidos e ao Canadá. Esta viagem não foi de turismo; foi realmente de trabalho. Uma jornada, até certo ponto, exaustiva, porque visitamos, nos dois expedientes, de manhã e de tarde, várias empresas, não para ver como elas funcionavam mas para reunir com sua Diretoria de Pessoal e discutir ali os problemas surgidos em decorrência do relacionamento laboral. Estivemos também no Conselho de Arbitragem, em Nova York, onde tivemos a oportunidade de verificar como o sistema funciona. E uma das coisas que logo me impressionou foram exatamente os honorários que são cobrados pelo árbitro e pelo mediador - que não são honorários baixos.
Dessa forma, quando se fala em mediação e arbitragem, é preciso pensar logo nas consequências do gasto. Vamos ter um ônus. Se queremos adotar mediação e arbitragem, saibamos que as partes envolvidas no conflito é que irão custeá-las. Evidentemente, isso não afasta a possibilidade nem a conveniência de haver mediação e arbitragem no Brasil. Apenas é preciso que tenhamos consciência de que a sua adoção importa em custo e que esse custo é pago pelas partes envolvidas no conflito.

Não possuímos, no Brasil, tradição em mediação e arbitragem facultativa, mas eu ousaria dizer que temos todos os meios para realizá-las institucionalmente. Inclusive porque, em nível institucional, elas já existem na CLT. As Juntas de Conciliação e Julgamento, ao serem criadas, receberam o título - o seu título primitivo, o primeiro título das nossas Juntas - de Juntas de Conciliação e Arbitragem. Arbitragem oficial, arbitragem judiciária, mas arbitragem. Há, muitas vezes, uma falta de compreensão de que a arbitragem é uma solução do conflito através da escolha de um árbitro, que poderia ser chamado, também, de juiz particular para a solução de um conflito. Na realidade, o laudo arbitral nada mais é do que uma sentença sem força de prestação jurisdicional. Eu tive oportunidade de manusear, nos Estados Unidos, um laudo arbitral e verifiquei que ele tem um relatório, como nós temos, depois uma decisão com a sua fundamentação e uma conclusão. Inclusive, no regulamento do Conselho dos Árbitros há esta imposição: de que o laudo tenha um relatório, uma fundamentação e uma conclusão. O que fazemos na sentença? Não é exatamente relatório, fundamentação e conclusão? Apenas aquele laudo arbitral não tem a força de uma sentença, porque poderá ser contestado no Poder Judiciário. O Poder Judiciário, normalmente, nos países de Common Law, dá muita força ao árbitro. É preciso que o laudo esteja eivado de vício muito grave para que seja invalidado. É mais uma dificuldade a vencer. Aquilo que se soluciona diretamente no Judiciário, procura-se resolver autonomamente, mas existe a possilidade de ir também ao Judiciário.

É preciso que sejamos conscientes, que saibamos as dificuldades que se oferecem para a implantação da mediação e da arbitragem no Brasil; o que não significa - porque não é este o meu propósito - desestimular a mediação e a arbitragem autonomamente concebidas e operacionalizadas, porque, realmente, se chegarmos a um amadurecimento tal que isso seja possível, creio que são indispensáveis, inclusive para aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário Trabalhista no Brasil.

Feitas essas considerações de ordem geral, conviria que verificássemos o que a legislação brasileira previu, até agora, a respeito do assunto. E falo em legislação porque somos, lembro mais uma vez, um país de legislação codificada e não de Common Law; portanto, esses dois sistemas jurídicos são bastante diferentes, bastante diversificados, e as soluções que se adotam em um não podem ser exatamente transplantadas para o outro de maneira inteiramente irracional, sem as necessárias adaptações.

Como dizia anteriormente, a nossa Consolidação, de certa maneira, já previu, desde a sua origem, a mediação e a arbitragem oficiais. Os senhores vão ficar talvez um pouco perplexos com o que vou dizer, mas a conciliação imposta por lei na fase de instrução dos dissídios individuais e na dos dissídios coletivos é, de fato, uma mediação oficial; mediação oficial, porém, não muito consciente por parte do juiz que, muitas vezes, não lhe atribui a eficiência e o valor que deve ter. No Brasil, o juiz se preocupa muito com a sua capacitação jurídica, não com a sua capacidade de convencer as partes a comporem o conflito amigavelmente. A conciliação, em alguns países, é, inclusive, o nome que se atribui à mediação. Inúmeros autores franceses equiparam a conciliação à mediação. Sob o título de conciliação, eles querem significar aquilo que normalmente se compreende como mediação. E a arbitragem, no meu entender, nada mais é do que uma solução do conflito, que recebe o nome de arbitragem quando a solução advém de um laudo particular. Quando a solução é dada através de uma sentença, a arbitragem é judicial.

Assim, a mediação e a arbitragem oficiais e judiciárias nós já temos no Brasil desde que implantada a nossa legislação trabalhista. O que se pretende implantar agora é a mediação e a arbitragem autônomas, eleitas pelas partes, em que o mediador e o árbitro sejam escolhidos também pelas partes. Mas lembro novamente a dificuldade, o custo do procedimento: mediante o pagamento de honorários.

Na Constituição de 1988, a arbitragem particular, que pelo nosso sistema jurídico sempre foi possível, ficou prevista. As partes deverão tentar, principalmente nos conflitos coletivos, a conciliação e a arbitragem. A Constituição não fala em conciliação. Fala em negociação, mas a negociação é um termo amplo, geral, que envolve a mediação. Ao tratar de dissídios individuais, a Constituição da República não fala nem em arbitragem nem em mediação, mas em conciliação e julgamento; subentende a solução judiciária, mas não impede a solução particular, mesmo porque haveria uma contradição entre os termos da Constituição se, ao prever a solução autônoma para os dissídios coletivos, não admitisse, também, que ela pudesse ser operacionalizada para solucionar os dissídios individuais.

Destarte, quando se trata de mediação e arbitragem, é necessário que se tenha subentendido que tanto uma como outra podem ser utilizadas igualmente para processos individuais e coletivos, para conflitos individuais e coletivos. No Brasil, quem mais tem contribuído eficazmente para a adoção da mediação e da arbitragem autônomas têm sido os Tribunais Trabalhistas e, entre eles, o Tribunal Superior do Trabalho, ao qual pertenço. De que maneira? Extinguindo, com frequência, os numerosos dissídios coletivos que ali chegam em nível originário ou através de procedimento recursal.
Apresento aqui as estatísticas de 1994 e 1995, do Tribunal Superior do Trabalho. Verifica-se que, em 1994, aproximadamente um terço dos dissídios coletivos foram extintos por falta de negociação prévia autônoma. Embora a Instrução no. 4, que agora regula o procedimento dos dissídios coletivos - para facilitar, inclusive, às partes, a observância dos procedimentos cabíveis - preveja ainda o recurso à autoridade administrativa do Ministério do Trabalho, na realidade, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho enfatiza que o importante não é esta negociação intermediada, mas aquela mantida direta e sinceramente pelas partes. Em razão disso, em 1994, de 1.227 processos de dissídios coletivos que apreciamos, 289 foram extintos sem julgamento do mérito, por falta de negociação prévia, o que corresponde a um número aproximado de um quarto. Em 1995, até o mês de setembro, já apreciamos 699 dissídios coletivos e, desses, extinguimos 202, aproximadamente um terço.

Podem os Senhores, então, verificar que o Tribunal Superior do Trabalho quer ser aquilo que acha que deve ser: uma Justiça da qual se socorre apenas como último recurso, como último procedimento a ser adotado, desde que não haja sucesso na negociação autônoma. Dissídios, principalmente dissídios coletivos, são para serem resolvidos, de preferência, autonomamente, porque são as partes que têm as condições para solucionar convenientemente o conflito, pois sabem o que lhes é mais conveniente. A interveniência de uma autoridade administrativa ou de uma autoridade judiciária só se impõe em último caso e como recurso último, como procedimento derradeiro. O ideal é que as partes solucionem autonomamente seus conflitos, sejam coletivos ou individuais.

Neste sentido, devo me referir a algumas experiências que vêm sendo realizadas no Brasil também em relação aos dissídos individuais. E, para satisfação minha, digo que duas das mais significativas, pelos menos daquelas que tenho conhecimento, vêm-se realizando aqui em Minas Gerais ou na 3a. Região. Pouco tempo atrás, estive participando de um Seminário, com outros Juízes daqui do Tribunal da 3a. Região, em Patrocínio, e tive a oportunidade de ali ouvir o relato sobre as experiências feitas naquela cidade e em Patos de Minas, no sentido de solucionar autonomamente dissídios individuais. Em Patrocínio, através do estímulo desenvolvido pelo Presidente da Junta, que tomou a iniciativa; em Patos de Minas, experiência de natureza sindical, autônoma, absolutamente autônoma, que me pareceu ainda mais significativa. Evidentemente, a Junta estimulou esse tipo de procedimento, mas a iniciativa foi autônoma: dos sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores. Ao que tenho conhecimento, o resultado tem sido excelente. Se conseguirmos realmente disseminá-la, este tipo de mentalidade viria contribuir enormemente para aliviar o Poder Judiciário Trabalhista no país que, como é notório, encontra-se extremamente sobrecarregado.

O governo brasileiro, todavia, de algum tempo para cá - não este governo, o governo tomado genericamente - também conscientizou-se do problema e vem procurando - já que somos um país de legislação codificada - estabelecer, através de leis, estímulos à mediação e à arbitragem. Isto vem ocorrendo através de várias leis, mas principalmente a partir da Lei no. 8.542, de 1992. Essa Lei, não sei se os senhores tiveram a exata consciência dela, continha duas coisas importantes. Embora dissesse que dispunha sobre política nacional de salários e desse outras providências, começava enfrentando um problema extremamente relevante, que se coloca em nível de grande desentendimento no plano doutrinário, ou seja, o problema da incorporação, definitiva ou não, ao contrato individual do trabalho, das normas coletivas, estabelecidas por instrumentos coletivos - convenções coletivas, acordos coletivos e sentenças normativas.
Sabemos que há uma acentuada divisão na doutrina: uns compreendem que a incorporação se faz automática e permanentemente, e outros não entendem que aquela norma vige enquanto durar a validade do instrumento. A Lei começava dizendo, no parágrafo 1o. do art. 1o, que isso se faria de maneira definitiva e automática. Fazendo, noutro dia, uma conferência no Rio Grande do Sul, chamei a atenção para o seguinte fato: esta norma talvez tenha passado um pouco despercebida porque a lei tem a data de 23 de dezembro e foi publicada no dia 24 de dezembro. Ora, 24 de dezembro é véspera de Natal, ninguém vai ler Diário Oficial, muito menos o que sai no noticiário do jornal sobre a edição de novas leis. Todos estão preocupados em preparar a ceia de natal e não em ler notícias em jornal. Assim, essa norma passou bastante despercebida em razão da época em que foi promulgada e publicada a lei que a continha, mas essa lei trouxe coisas importantes, como aquela para a qual estou chamando atenção e que foi derrogada por uma medida provisória, a que vou me referir daqui a pouco.

Essa disposição passou, assim, praticamente em brancas nuvens no Brasil, sem que ninguém ou quase ninguém dela tivesse tomado consciência. O parágrafo 2o. do art. 1o. da Lei diz que as condições de trabalho, as cláusulas salariais, os aumentos reais, os ganhos de produtividade, os pisos salariais poderão ser fixados através de instrumentos autônomos, que são o contrato coletivo de trabalho, a convenção coletiva de trabalho, o acordo coletivo de trabalho, o laudo arbitral e a sentença normativa. Faço restrições à nomenclatura contrato coletivo de trabalho, porque é incompatível com o atual sistema constitucional brasileiro.

Verificam, os Senhores, desse modo, que houve a preocupação do governo - poderes legislativo e executivo, um aprovando, o outro sancionando a lei, embora se referindo aos instrumentos e não aos procedimentos - em privilegiar a mediação e a arbitragem, havendo, em relação à arbitragem, uma diferença mais expressa, quando se fala em laudo arbitral. Em decorrência dessa Lei surgiu, pouco tempo depois, um decreto do Poder Executivo, o Decreto no. 908, de 31 de agosto de 1993, fixando diretrizes para negociações coletivas de trabalho nas sociedades de economia mista, empresas públicas, suas subsidiárias e controladas, e nas demais empresas sob controle da União. Essa negociação, entretanto, é feita numa camisa de força, porque os aumentos reais de salário, as concessões de benefícios, as antecipações e reajustes salariais ficam condicionados à melhoria do desempenho da empresa, à autorização expressa de um comitê administrativo criado no âmbito do Poder Executivo para concorrer com a Justiça do Trabalho, que é o Comitê de Coordenação das Empresas Estatais - CCE. O decreto, que na realidade quis favorecer a implantação da negociação através de mediação acabou por enrijecer o processo, em face da intervenção desse Conselho que tem a última palavra e, portanto, não permite a autonomia das partes. Não há autonomia, porque autonomia é escolha, é dizer: “Queremos. Ambos concordamos em que a solução do conflito seja esta.” Mas isto não é possível, porque o CCE é quem dá a última palavra.

Depois desse decreto, já neste ano, em junho, começou a surgir uma série de medidas provisórias, extremamente importantes pelas repercussões que apresentam e apresentaram anteriormente. A primeira sobre o assunto é a 1.053, de 30 de junho de 1995, assumindo alguma repercussão devido a uma ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT. O que diz essa medida provisória? Na sua ementa, parece destinar-se apenas a dispor sobre medidas complementares ao Plano Real, mas tem sempre aquele final bastante genérico “e dá outras providências”. Nessas “outras providências”, há uma série de disposições que prevêem a utilização - e aqui já de maneira expressa - da mediação e da arbitragem como técnicas de solução autônoma para resolver os conflitos coletivos. Essa autonomia, inicialmente, não foi encarada com a necessária elasticidade e o que constou de seu art. 11 foi o seguinte: “Frustrada a negociação direta, as partes deverão, obrigatoriamente, antes do ajuizamento do dissídio coletivo, solicitar ao Ministério do Trabalho que designe mediador para o prosseguimento do processo de negociação coletiva.” A palavra-chave é obrigatoriamente. Em decorrência desse vocábulo obrigatoriamente, o PDT entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1.309-2, do Distrito Federal, para pedir fosse declarado inconstitucional esse dispositivo. Não só esse, como seu parágrafo 4o., que diz: “Não alcançado o entendimento entre as partes, o mediador lavrará, no prazo de 5 dias, laudo conclusivo sobre as reivindicações de natureza econômica, que obrigatoriamente instruirá a representação para instauração de instância”. Como sabem os senhores, no mês de julho, os Tribunais Superiores entram em férias coletivas, por determinação da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). Encontrando-se em férias coletivas o Supremo Tribunal Federal, quem apreciou o pedido de liminar requerido foi o Presidente daquela alta corte, o Ministro Sepúlveda Pertence. E Sua Excelência deferiu a liminar. Deferiu-a em ambos os aspectos, quer para suspender o caput do art. 11 e seu parágrafo 4o., como o art. 13, inciso II. O Presidente do STF, para justificar a sua decisão, disse o seguinte, no que diz respeito ao primeiro aspecto: “Essa submissão compulsória das partes à interferência de um mediador do Ministério do Trabalho constitui um obstáculo anteposto ao exercício do Direito ao ajuizamento do dissídio coletivo, que a Constituição, no entanto, subordinou apenas à tentativa de negociação, para o qual, de resto, não ditou forma nem impôs a participação do Estado.” No meu entender, o Presidente do Supremo quis privilegiar a negociação autônoma, sem interferência de quem quer que seja, colocando-se em consonância com o que vem decidindo o Tribunal Superior do Trabalho quando exige a negociação prévia autônoma, necessariamente autônoma, de iniciativa das partes, antes do ingresso no juízo. Impor uma negociação com interferência do Estado é vedar o acesso ao Poder Judiciário. Em última análise, é o que diz o Presidente do STF.

Com relação ao segundo aspecto, menos relevante para o nosso tema - o que estamos enfrentando no momento -, diz ele: “Ora, determinar a Medida Provisória que a concessão de aumento salarial só possa ter por base indicadores objetivos, aferidos por empresa, parece constituir uma forma de restringir o trato da matéria aos acordos por empresa, inviabilizando que a regule, para toda a categoria, a convenção coletiva”. É mais uma ênfase que se dá à negociação autônoma singularizada, porque, no caso, o que o Presidente do STF quis dizer é que, tanto quanto possível, essa negociação deve ser não apenas autônoma, mas individualizada, se possível empresa por empresa, para que se atenda mais às condições particulares de cada uma delas.

Esse despacho, lamentavelmente, não chegou a ser apreciado pelo Plenário do Tribunal porque (os senhores sabem que uma Medida Provisória tem 30 dias de vigência), como não aprovada aquela Medida Provisória no. 1.053, a primeira a respeito do assunto, no prazo de 30 dias, editou-se uma segunda, no dia 28 de julho, já então introduzindo modificações nos dispositivos considerados inconstitucionais pelo despacho do Presidente do Supremo. E, como foi feita essa modificação, a Ação Direta de Inconstitucionalidade perdeu o objeto. Foi julgada prejudicada no dia 27 de setembro passado, sendo relator o Ministro Carlos Mário Velloso, originário de Minas Gerais, como todos sabem. Assim, foi uma pena que o STF não tivesse dado a sua decisão a respeito da fundamentação que foi expressa pelo Ministro-Presidente, pois seria muito interessante que nós conhecêssemos o que o Colegiado - e não apenas o seu Presidente, pensa a respeito dessa problemática de alta relevância.

A Medida Provisória no. 1.059, de 28 de julho deste ano, introduziu, então, modificações e , no que diz respeito ao art. 11, apenas deixou registrado o seguinte: “Frustrada a negociação entre as partes, promovida diretamente ou através de mediador, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo”, nos termos exatos da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. E, ao invés de se referir a laudo do mediador, fala que “não alcançado o entendimento entre as partes, e, recusando-se qualquer delas à mediação, lavrar-se-á ata...”- é uma ata que registra a mediação sem nenhum tipo de solução institucionalizada - “... lavrar-se-á ata contendo as causas motivadoras do conflito e as reivindicações de natureza econômica, documento que instruirá a representação para o ajuizamento do dissídio coletivo.”
No que diz respeito ao segundo aspecto do art. 13, registrou no parágrafo 2o.: “Qualquer concessão de aumento salarial, a título de produtividade, deverá estar amparada em indicadores objetivos”. Não mais ficou estabelecido que eles seriam fornecidos pelo empregador e que, portanto, poderiam ser carreados para a confrontação no processo de mediação por ambas as partes.

Essa Medida Provisória, de 28 de julho, também já teve o seu prazo esgotado e foi revigorada pela Medida Provisória 1.106, de 29 de agosto que, por sua vez, também perdeu a sua vigência em 30 dias e foi revigorada pela 1.138, de 28 de setembro passado, publicada no Diário Oficial na mesma data. Ao ser revigorada a Medida Provisória originária, instituindo, ao que se pressupõe, em caráter definitivo, em termos de legislação, a mediação, como instrumento, como técnica de negociação, o Poder Executivo baixou um Decreto regulando como se deve fazer essa mediação. Esse Decreto possui o no. 1.572, de 28 de julho de 1995. Ele regulamenta a mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista. Diz que, frustrada a negociação, as partes poderão escolher, de comum acordo, o mediador.

A mediação, portanto, é um procedimento que, no Brasil, só poderá ser utilizado se as partes, mediante deliberação autônoma, não chegarem a um entendimento capaz de solucionar o litígio; visando conseguir a conciliação, elas elegem uma terceira pessoa, que é o sujeito mediador, para fazer ou tentar o apaziguamento das partes do confronto. Como, entretanto, as partes podem não conhecer bem as pessoas que irão intermediar o conflito, o Decreto permite que a escolha seja delegada à autoridade do Ministério do Trabalho. A autoridade do Ministério do Trabalho pode escolher, portanto, um mediador para solucionar o conflito, mas a pedido das partes. Nesse sentido, prevê-se que haja um registro de credenciamento para mediadores naquele Ministério. O decreto faz algumas exigências: a pessoa deverá comprovar experiência na composição de conflitos de natureza trabalhista e demonstrar conhecimento técnico relativo às questões dessa mesma natureza. No meu entender pessoal, acho que estas condições estão a endereçar a mediação a Juízes do Trabalho e Procuradores do Trabalho aposentados ou, então, a advogados com alta experiência trabalhista. Este é o primeiro documento formal existente no Brasil a respeito de mediação trabalhista. Não sei o que vai resultar daí por diante, mas esperemos que possamos ter êxito no encaminhamento do assunto.

Acredito mais nas iniciativas autônomas das partes, elas é que devem ser privilegiadas na institucionalização do procedimento. Em termos de negociação autônoma, deve prevalecer a ausência do Estado. O Estado não deve intervir em nada. As partes só conseguem se compor autonomamente, de maneira eficiente, quando em clima de absoluta e ampla liberdade, mediante convencimento próprio. Não havendo ampla liberdade e convencimento próprio, a intermediação de quem quer que seja só pode contribuir para complicar o processo de apaziguamento, o processo de conciliação.

Por essa razão, entendo que, se queremos falar no Brasil nesses procedimentos, a mediação e arbitragem têm que ser produto da livre escolha das partes, mas, para isso, é preciso, evidentemente, mudar um pouco a nossa mentalidade, aprendermos a negociar, aprendermos a transigir, aprendermos, principalmente, ao sentamos à mesa de conciliação, a ser leais uns com os outros. Enquanto isso não for adquirido, não teremos êxito em obter a mediação, a arbitragem ou, antecedentemente, a negociação, sem que haja utilização de algum desses dois procedimentos.

Espero e tenho fundadas razões para crer que essa situação ocorrerá no Brasil. O nosso capitalismo está evoluindo e modernizando-se, está tomando consciência de que realmente é necessário mudar o relacionamento laboral para poder produzir bem e melhor. Se os trabalhadores também chegarem à consciência de que é necessário defrontar os empregadores ou os tomadores de serviço como parceiros e não como opositores, também teremos êxito no emprego desse tipo de procedimento. Enquanto isso não ocorrer, entretanto, não posso acreditar que instrumentos de natureza legal, em um país de legislação codificada, possam surtir os efeitos desejados. Muito obrigado.

Retirado de: http://www.amatra.com.br/anais1.html

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