O Regulamento de Mediação e Conciliação do Centro de Arbitragem Comercial

Por João Luís Lopes dos Reis

Advogado e membro do Conselho de Arbitragem do Centro

de Arbitragem Comercial

1. Muitos diferendos comerciais colocam os protagonistas na situação difícil de terem de escolher entre perder o lucro de um negócio ou perder um cliente ou um parceiro. Com frequência, os desentendimentos a respeito do modo como um contrato foi ou devia ter sido cumprido originam litígios que, mais do que pôr em risco o recebimento do preço de um fornecimento ou o ressarcimento de danos aparentemente causados pela outra parte no negócio, ameaçam a continuidade de relações comerciais que antes se mostravam úteis para todos.

Por vezes, antes de darem início a um pleito prolongado, as partes tentam a via negocial, seja directamente, seja através dos seus advogados. E é verdade que desse modo conseguem, em alguns casos, ultrapassar as suas diferenças. Mas isso nem sempre acontece, sobretudo porque, mesmo quando se dispõem a negociar, partem normalmente de posições inconciliáveis e colocam-se em planos diferentes e conflituais, o que não lhes deixa disponibilidade para entendimentos.

Acontece chegarem a desejar a intervenção de um terceiro que, fora dos tribunais, as ajude a ultrapassar dificuldades. É em alguns destes casos que escolhem a arbitragem. Mas, ainda aí, e apesar das características deste meio de resolução de litígios, as partes estão em posições antagónicas e de conflito. Para além disso, é demasiado fácil importar para a arbitragem a praxis contenciosa do processo judicial, o que não só não contribui para evitar a confrontação, como ameaça mesmo a celeridade esperada. Por outro lado, é bem certo que nunca o sucesso da arbitragem esteve associado a custos reduzidos, comparativamente aos meios tradicionais de resolução de litígios.

Reflexo desta insatisfação face à arbitragem é o recente fenómeno norte-americano das fast track arbitrations, em que as partes impõem prazos extremamente curtos para os árbitros decidirem o litígio. Estes ensaios, normalmente confiados a árbitros muito experientes e acompanhados por advogados com elevado grau de especialização, no quadro de instituições arbitrais prestigiadas e bem equipadas, têm já réplicas ingénuas, fora dos meios onde vêm sendo cautelosamente experimentados, o que de algum modo indicia alguma desconfiança, porventura mal justificada, sobre a eficácia da jurisdição arbitral.

A opção por métodos negociais, não contenciosos, de resolução de litígios não constitui, em si, novidade. O que é fenómeno relativamente recente é o desenvolvimento da aplicação desses meios a litígios privados de carácter comercial. A Câmara de Comércio Internacional foi precursora da conciliação no comércio internacional: o seu primeiro regulamento de arbitragem, que já se chamava -- como os que se foram sucedendo, até à actualidade -- também de conciliação, permitiu que tenha sido a conciliação e não a arbitragem o meio por que foi obtido o primeiro êxito em resolução de litígios na CCI após a criação do Tribunal de Arbitragem (hoje, Tribunal Internacional de Arbitragem); durante os primeiros anos de actividade do Tribunal da CCI, entre 1923 e a II Guerra Mundial, cerca de oitenta por cento dos casos que lhe foram submetidos terminaram por conciliações bem sucedidas.

A Convenção de Washington de 1965 (sobre a resolução de litígios relativos a investimentos entre Estados e nacionais de outros Estados), que Portugal ratificou em 1984, estabeleceu, junto do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, o Centro Internacional para a Resolução de Diferendos sobre Investimentos (CIRDI), uma instituição destinada a administrar conciliação e arbitragem de litígios compreendidos no objecto do tratado. O CIRDI dispõe de um regulamento de conciliação.

Em 1980, a CNUDCI (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional) aprovou um regulamento de conciliação, que submeteu à XXXV Assembleia Geral das Nações Unidas, convidando-a a recomendar o seu uso nos casos em que surge um litígio no quadro de relações comerciais internacionais e as partes procuram uma resolução amigável para esse litígio, através do recurso à conciliação.

Na década de 80, a Associação Americana de Arbitragem, que desde o final dos anos sessenta apostava na mediação como meio de resolução de litígios sociais e laborais, começou a aplicá-la em litígios comerciais, em litígios relativos a empreitadas de obras de construção civil e em litígios relativos a contratos de seguro. As experiências foram, de um modo geral, bem sucedidas e revelaram um processo de custos reduzidos e de baixo risco, sobretudo consequência da confidencialidade do próprio processo, da voluntariedade das partes e da intermediação de um perito.

A experiência norte-americana da mediation é hoje um sucesso tal que algumas das publicações regulares da AAA abandonaram, mesmo no seu título, a exclusiva dedicação à arbitragem. Mas a verdade é que esse sucesso não se tem repetido na Europa. Se, nos Estados Unidos, a mediação é hoje parte integrante da prática jurídica, a CCI teve, desde 1988, menos de sessenta pedidos de conciliação (para mais de 2.000 pedidos de arbitragem, no mesmo período). Mas está por saber até que ponto as práticas processuais apelativas da conciliação das partes, correntes na Europa, sobretudo nos sistemas jurídicos romanísticos, por oposição ao sistema anglo-saxónico de litigation, serão susceptíveis de distorcer as estatísticas.

O certo é que, na prática da conflitualidade e da litigiosidade comercial, é muito frequente encontrarem-se situações que pedem tudo menos a atitude contenciosa normal do pleito judicial ou da arbitragem. E está longe de ser raro surpreender nos actores de litígios comerciais o desejo de encontrarem uma ponte para resolverem o seu diferendo através de uma solução negociada ou intermediada através de um terceiro.

Para além dos litígios em que a mediação e a conciliação constituem uma alternativa aos métodos contenciosos, há aqueles que não têm solução contenciosa possível, mas em que as partes desejam uma resolução a que não conseguem chegar por si. É, por exemplo, o caso dos contratos que se tornam insuportáveis para as partes, sem que qualquer delas possa pôr-lhes termo, apartar-se ou afastar o parceiro: todos sabemos a frequência com que situações destas ocorrem em sociedades, em consórcios, em quantos outros contratos comerciais.

2. Em bom rigor, importa notar que mediação e conciliação são métodos distintos de resolução de litígios, a que correspondem, por isso, conceitos diferentes. Enquanto que na mediação, o agente, o mediador, apenas assume o encargo de aproximar as partes, de as ajudar a negociar, enquanto são as próprias partes que vão procurando, com o auxílio do mediador, encontrar um quadro mutuamente aceitável para a resolução do seu litígio, na conciliação as partes cometem ao conciliador o poder de averiguar os factos e de procurar uma solução para o litígio, recomendando-a à aceitação das partes. Ambos são processos negociais com a intervenção de um terceiro, mas em que o papel deste difere substancialmente.

A verdade é que esta distinção teórica não tem um grande relevo na prática. Embora, por exemplo, os regulamentos da AAA se refiram a mediação, não é seguro que os mediadores americanos não actuem frequentemente como conciliadores.

Aliás, recordando experiência nacional, também a legislação que regula a contratação colectiva laboral, que prevê a mediação e a conciliação como fases do processo negocial, não estabelece uma distinção clara entre os dois meios, já que confere quer ao mediador quer ao conciliador o poder de propor soluções às partes.

Em todo o caso, o que parece importante sublinhar, como traço comum destes dois meios alternativos, não contenciosos ao contrário da arbitragem de resolução de litígios é que eles assentam em processos negociais, conduzidos por terceiros independentes e neutrais, que actuam em contacto directo com as partes.

É pois fatal que se proceda à comparação da mediação e da conciliação, como meios alternativos de resolução de litígios, com a conciliação judicial, corrente na nossa prática processual civil. Desde logo, para notar, por um lado, que elas assentam na disposição das partes para negociar livremente e não na vontade inicial de obter uma resolução contenciosa do seu litígio; e por outro, que o mediador ou conciliador não tem de reserva, como o juiz, o poder de decidir o litígio. Portanto, o processo de mediação ou de conciliação desenvolve-se como uma pura negociação, sem que, por um lado, as partes esperem uma decisão do seu litígio em caso de insucesso da tentativa a que metem ombros ou que, por outro, o mediador ou conciliador detenha qualquer poder efectivo de as compelir a um entendimento.

Daí que o processo de mediação e conciliação tenha carácter meramente contratual: ele existe enquanto e até onde ambas as partes o desejem. Ou, vistas as coisas de outro prisma, o mediador ou conciliador só detém os poderes que as partes lhe querem conferir.

A tentativa de conciliação judicial tem sido, e justamente, criticada por alguma doutrina sobretudo por constituir um desvio do poder jurisdicional, por ser da iniciativa do próprio julgador, por dar aso ao exercício de coacção sobre as partes, que assim não dispõem de liberdade negocial ainda que efectivamente se disponham a transigir e por a tentativa de conciliação ser susceptível de transmitir ao julgador o conhecimento de factos ou de situações que não teriam de ser do seu conhecimento e que podem influir na decisão, em caso de insucesso da tentativa.

Apesar das críticas, tem-se assistido nos últimos anos a insistências de enfatização no processo civil de uma fase de conciliação prévia à discussão contenciosa. Esta tendência é de criticar, por muitos motivos: esquece que as partes estão no tribunal em regra porque falharam tentativas anteriores de transacção, ignora que qualquer entendimento das partes, quando enxertado num litígio, tem o seu momento crítico numa fase tardia da discussão da causa e não antes desta, despreza a circunstância de o julgador ser colocado numa situação propícia à viciação da conciliação -- pela coacção que está em condições de exercer sobre as partes -- e do próprio julgamento -- por poder partir para ele com um conhecimento prévio, mas imperfeito, dos pormenores do caso, obtido através das diligências conciliatórias.

É curioso notar que, na prática da arbitragem, em que algumas vezes existem fases de conciliação, as coisas se passam normalmente de outro modo. Mostra a experiência que os árbitros não exercem pressões sobre as partes no sentido de estas se conciliarem e que nem sequer vão muito longe nas tentativas de conciliação anteriores à discussão da causa, eximindo-se até normalmente a acompanhar de perto tais tentativas.

3.1. O novo Regulamento de Mediação e Conciliação do Centro de Arbitragem Comercial descompromete-se, por uma via ecléctica, da distinção entre mediação e conciliação.

No seu próprio título e nos três primeiros artigos refere-se a mediação e conciliação, conjuntamente, para designar o processo a que as partes se pretendem remeter. Entretanto, o termo utilizado para o terceiro intermediador do processo é uniformemente conciliador; e o próprio processo é referido, ao longo de regulamento, a partir do n.º 2 do artigo 3º, como tentativa de conciliação, ou simplesmente como conciliação.

No que respeita aos poderes do conciliador, o regulamento prevê que ele aprecie as pretensões das partes e os seus fundamentos e os ajuíze de acordo com a prova oferecida (art. 6º); o conciliador pode solicitar das partes elementos e informações complementares (art. 7º, n.º 3); e espera-se dele que promova a tentativa de conciliação de acordo com princípios de imparcialidade, equanimidade e justiça (art. 7º, n.º 1), podendo apresentar propostas às partes (art. 8º, n.º 2, b)). Se o conciliador concluir, em qualquer momento, pela inutilidade da tentativa, pode pôr termo a ela, por declaração que produz a cessação do processo conciliatório (art. 10º, n.º 1).

Este conciliador detém em princípio mais poderes do que os de um mero mediador. Mas a medida exacta dos poderes de cada conciliador vai depender sobretudo da disposição das partes no processo negocial: casos haverá em que as partes não precisam de mais do que um mediador e outros em que elas querem uma verdadeira intervenção conciliatória do terceiro. No primeiro tipo de casos, a apreciação que o terceiro fizer das pretensões das partes e dos respectivos fundamentos não servirá senão para conhecer bem as posições delas e os interesses em jogo e para ponderar, de forma tão completa quanto possível, as melhores vias para o acordo, deixando no entanto às partes o protagonismo do processo. Nos casos do segundo tipo, o conciliador será verdadeiramente o principal actor da negociação, cabendo-lhe muito mais do que apenas escolher o modo de pôr as partes em contacto.

3.2. O regulamento adopta a orientação hoje generalizada de cometer a conciliação a um conciliador único. Uma vez que não está em jogo uma decisão de fundo, sobre matéria de facto e de direito, que pode exigir longa ponderação e beneficiar da discussão de pontos de vista entre vários julgadores, a pluralidade não se justifica, bem pelo contrário. Com um único conciliador, haverá menos agendas a consultar para a marcação das sessões de trabalho, estas serão mais fáceis de conduzir e -- the last, but not the least -- os encargos reduzem-se significativamente.

O conciliador é designado pelo Centro de Arbitragem Comercial, de entre os membros da sua lista de árbitros.

Não se prevê que as partes designem o conciliador de comum acordo. Mas não há qualquer razão, a priori, para que o Presidente do Conselho de Arbitragem recuse designar um membro da lista em cujo nome as partes acordem. Se bem que, em princípio, essa nomeação não possa recair em pessoa estranha à lista, ainda que as partes a recomendem, a aplicação subsidiária do Regulamento do Tribunal Arbitral (art. 16º) permite encontrar, no artigo 10º deste, solução para a hipótese, se ela alguma vez ocorrer: quando da lista de árbitros não constem pessoas com as qualificações técnicas exigidas para o conhecimento da matéria específica do litígio em causa, poderá ser designado um conciliador estranho à lista.

A falta de experiência do Centro em processos de mediação e de conciliação torna irrealista a criação, nesta fase, de uma lista autónoma. Não se ignora, certamente, que alguns membros da lista de árbitros se sentirão mais confortáveis na pele de conciliadores e que, inversamente, se corre o risco de designar para processos de mediação pessoas com perfil pouco conciliatório, se a imagem é permitida. Mas há passos que só se dão quando se começa a caminhar com segurança; este, o da criação de uma lista autónoma de conciliadores, é um desses. O Centro dá-lo-á quando for oportuno.

Exige-se do conciliador a mais absoluta neutralidade relativamente às partes. Nos termos do artigo 4º, n.º 2 do regulamento, não pode intervir como conciliador qualquer pessoa que, em relação a qualquer das partes ou a representantes delas, tenha qualquer ligação pessoal ou profissional que seja susceptível de pôr em causa a sua independência ou isenção. A aplicação subsidiária do Regulamento do Tribunal Arbitral torna, por outro lado, aplicáveis ao conciliador os motivos de suspeição e escusa dos juízes dos tribunais judiciais (cf. art. 8º, n.º 1 do RTA).

3.3. Traço fundamental do processo de mediação e conciliação é a confidencialidade, tratada com desenvolvimento no artigo 8º do regulamento.

A afirmação do princípio, logo no n.º 1 da disposição, vincula o próprio conciliador, as partes, os advogados ou outros assessores destas, bem como qualquer pessoa que intervenha no processo, a guardar segredo de quanto ocorre neste. Importa, na verdade, que as partes tenham à partida a garantia de que podem discutir abertamente o seu litígio sem correrem o risco de verem revelados no exterior os factos que ali tiverem de ser expostos. A esta preocupação corresponde, designadamente, o princípio da confidencialidade do acordo a que as partes cheguem, consignado no artigo 9º, n.º 2 do regulamento, e que tem como excepções naturais a vontade das partes em contrário e a necessidade da publicidade para a sua aplicação ou execução.

Esta garantia, que também na arbitragem é frequentemente desejada, tem no processo de mediação e conciliação uma importância redobrada: é que, mais do que o interesse em preservar, por exemplo, segredos comerciais ou industriais, é necessário acautelar a reserva de tudo quanto se adianta tendo exclusivamente em vista um possível acordo. Visa-se, deste modo, reforçar a confiança pública no processo de mediação e conciliação. É afinal a mesma garantia de reserva que leva o Estatuto da Ordem dos Advogados, para além de vincular o advogado a sigilo profissional, a impedir a utilização, como meios de prova, de propostas feitas em processos transaccionais malogrados (cf. art. 81º, nºs. 1, d) e 5 do E.O.A. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16/3).

Daí que, nos termos do artigo 8º, n.º 2, as partes fiquem comprometidas, ao aceitar submeter-se à tentativa de conciliação, a não utilizar, como argumento ou como meio de prova, em processo arbitral ou judicial, de qualquer natureza,

a) os factos revelados, as afirmações feitas e as sugestões apresentadas pela parte contrária, com vista a uma eventual solução do litígio;

b) as propostas apresentadas pelo conciliador ou por qualquer das partes;

c) o facto de qualquer das partes ter feito saber, na conciliação, estar disposta a aceitar uma proposta de acordo apresentada.

A mesma preocupação está presente no número 4 do artigo 8º: salvo acordo em contrário, as partes não podem chamar o conciliador a depor em qualquer processo arbitral ou judicial relativo ao litígio objecto da tentativa de conciliação. Ao aceitar submeter o seu litígio a mediação e conciliação no Centro de Arbitragem Comercial, as partes vinculam o conciliador a sigilo que tem por objecto, naturalmente, o próprio litígio e as diligências negociais conduzidas perante ele. Em consequência, o conciliador torna-se inábil para depôr, nos termos do artigo 618º, n.º 1, e) do Código de Processo Civil.

É ainda a mesma preocupação, mas colocada num plano algo diferente, que preside à disposição do número 3 do artigo 8º do regulamento: salvo acordo das partes em contrário, o conciliador fica impedido de ser árbitro e de assistir qualquer das partes, como seu representante ou assessor, em qualquer processo arbitral ou judicial relativo ao litígio objecto da tentativa de conciliação. Por um lado, pretende-se separar distintamente o processo de mediação e conciliação de qualquer procedimento contencioso que, em caso de insucesso da tentativa, se lhe siga; e por isso, salvo o caso particular regulado no artigo 11º de que adiante se trata o conciliador não se converte, em princípio, em árbitro. Portanto, se as partes recorrerem a arbitragem, depois de uma tentativa de conciliação frustrada, não serão surpreendidas com a designação para árbitro de alguém que já sabe mais do seu litígio do que um julgador tem de saber. E, por outro lado, nenhuma delas beneficiará do apoio, nesse processo contencioso, de quem teve antes oportunidade de beneficiar da confiança comum para conduzir a tentativa de conciliação.

3.4. Na mediação e conciliação, como em qualquer processo negocial, é fundamental assegurar a flexibilidade do procedimento.

A flexibilidade processual que é desejável na arbitragem é algo diferente; ali importa acautelar direitos de litigantes em oposição, como o contraditório. Por isso o processo arbitral tem limitações incontornáveis que são, simultaneamente, elementares garantias das partes. Podem, à partida, estabelecer-se regras flexíveis para os actos das partes ou para o oferecimento e o exame dos meios probatórios; mas na sua execução têm de observar-se princípios essenciais do processo contencioso.

Na mediação e conciliação apenas têm de observar-se regras elementares da condução leal de processos negociais, como os princípios de imparcialidade, equanimidade e justiça a que alude o artigo 7º, n.º 1 do regulamento.

A imparcialidade decorre da neutralidade do próprio conciliador: não tendo qualquer interesse na causa ou qualquer espécie de laço com as partes, o conciliador deve tratar o caso sem se deixar atrair, em qualquer momento do processo negocial, pela posição de alguma delas. A equanimidade é, por assim dizer, o outro lado da imparcialidade, ou o princípio positivo que lhe serve de contraponto: corresponde ela à billiges Ermessen do direito alemão e ao equo apprezzamento do direito italiano e significa o dever de ter em conta todas as circunstâncias que tenham sido comunicadas (no caso) ao conciliador, ou cujo conhecimento seja possível segundo a normal diligência de uma pessoa equilibrada e avisada. A justiça corresponde ao dever do conciliador de procurar e de só patrocinar uma solução justa, mais no sentido etimológico, próximo da equidade, do que no sentido da conformidade com o direito que, não podendo ser desprezada, tem aqui um papel secundário.

Para além da observância destes princípios, o conciliador procede livremente à organização da tentativa de conciliação, como consigna o artigo 7º, n.º 1 do regulamento; e deve, nos termos do artigo 5º, organizar com as partes o calendário dos trabalhos na conferência em que inicia a sua intervenção.

Assim, da flexibilidade processual da mediação e conciliação decorre também a simplicidade do seu processo. Esta simplicidade -- nos termos em que fica definida a intervenção do mediador -- tornará, em alguns casos, aparentemente dispensável a intervenção de advogados. Mas, como esta está longe de ter interesse apenas por razões processuais, caberá sempre às partes decidir se querem ou não fazer-se assistir por advogado; e na maior parte das vezes, tal intervenção será pelo menos conveniente, quando não absolutamente necessária.

3.5. A duração do processo de mediação e conciliação depende das partes e do conciliador e relaciona-se intimamente com o custo do processo.

A tentativa de conciliação termina em uma de três situações: ou as partes chegam a um acordo, ou a tentativa de conciliação se torna impossível, ou se revela inútil. No primeiro caso, procede-se ao registo do acordo das partes na forma que no caso a lei exigir. Embora no n.º 1 do artigo 9º se refira expressamente a assinatura do acordo das partes, decerto não é necessário que todos os termos do acordo sejam escritos. É em última instância às partes que cabe decidir a forma que o seu acordo deve revestir.

A tentativa de conciliação torna-se impossível quando uma das partes comunica ao conciliador a sua vontade de a não continuar (art. 10º, n.º 2). Esta comunicação tem de ser escrita, a fim de assegurar a sua seriedade e a ponderação devida das suas consequências e, por outro lado, para distinguir claramente esta causa de insucesso de outras figuras, porventura próximas, que possam desenvolver-se no processo negocial.

A inutilidade da tentativa resulta, em última análise, de juízo do próprio conciliador (art. 10º, n.º 1). Verificando que a conciliação não é possível, o conciliador põe termo à tentativa, por declaração escrita. Este acto do conciliador é de um extremo melindre e de grande importância. A verificação de certos pressupostos da inutilidade da tentativa aconselharia, à primeira vista, que o acto do conciliador fosse fundamentado; mas a isso opõe-se a confidencialidade do processo: se este se desenrolar em termos que tornem inviável a sua continuação, os motivos da declaração do conciliador ficarão no segredo dos actores do processo. Por outro lado, impõe-se que a declaração de inutilidade da tentativa não resulte de simples capricho ou de pura desistência do conciliador. Na economia do regulamento, esta exigência equilibra-se com as outras, já vistas atrás, do processo de mediação e conciliação através da ponderação dos encargos e do acordo entre as partes e o conciliador a respeito dos honorários deste.

A mediação e conciliação administrada pelo Centro de Arbitragem Comercial tem, para além dos encargos próprios das partes, custos de duas naturezas: por um lado, a remuneração do serviço prestado pelo próprio Centro, que se traduz nos chamados encargos administrativos, que se encontram tabelados de acordo com o valor do litígio; por outro lado, os honorários do conciliador.

Estes não se encontram propriamente tabelados, apesar de existir uma tabela indicativa de honorários de conciliador, que tem dois objectivos: um, evidente, resulta do artigo 13º, nºs. 3 e 4 do regulamento, que é o de servir de base ao valor de preparos que as partes devem satisfazer antes da designação do conciliador; outro, meramente implícito, é o de fornecer às partes um critério mas apenas isso para orçamentarem as despesas em que incorrerão com o processo de mediação e conciliação.

De acordo com o artigo 13º, n.º 4 do regulamento, esta tabela não atende ao tempo gasto pelo conciliador nem à dificuldade específica de cada caso. Quer isto dizer que, na conferência em que se inicia a intervenção do conciliador, e a que alude o artigo 5º do regulamento, deve ser avaliada a dificuldade específica do caso e devem as partes e o conciliador estabelecer um critério remuneratório deste, que em princípio deve atender àquela dificuldade e ao tempo de trabalho que lhe vier a ser exigido. Tal critério pode consistir num valor de remuneração por hora de trabalho ou num valor global calculado para um número determinado de horas de trabalho, que pode constituir um limite temporal para o processo, entendido tal limite como aquele a partir do qual se torna desnecessário continuar o esforço conciliatório.

Neste ponto intervém um dos aspectos da utilidade da administração institucionalizada da mediação e conciliação. O Centro de Arbitragem Comercial está dotado de um secretariado treinado e experimentado em técnicas de resolução de litígios, como cumpre a uma instituição de arbitragem responsável. Os membros do secretariado não são meros funcionários administrativos e, se bem que se encarreguem, por inerência, do apoio logístico dos processos arbitrais -- e agora também das mediações e conciliações -- confiados ao Centro, a sua preparação específica visa sobretudo habilitá-los a prestar às partes, aos advogados destas e aos próprios árbitros assessoria relativamente aos aspectos próprios dos processos alternativos de resolução de litígios que administram. Para isso têm vindo, de há cerca de cinco anos a esta parte, a estudar e a acompanhar, em Portugal e no estrangeiro, iniciativas de divulgação e de aprofundamento da arbitragem e de institutos afins.

Em cada processo de mediação e conciliação, o secretariado estará apto a aconselhar as partes e o próprio conciliador a respeito do valor da remuneração deste, atendendo ao valor em disputa e às características específicas de cada caso. Mais do que isso, e uma vez que a experiência de outras instituições demonstra pelo menos a incomodidade de o acordo sobre honorários ser negociado directamente entre as partes e o conciliador, o secretariado estará disponível para intermediar, neste capítulo, os actores do processo. Se -- como será normalmente desejável -- o valor da remuneração do conciliador tiver por base um critério horário, será fácil ao conciliador e às partes saber em que ponto dar por findo o esforço de conciliação. Como, por outro lado, o valor da remuneração será sempre em princípio negociado pelas partes e o conciliador, todos saberão com facilidade se aquelas estão dispostas a prosseguir, ainda que se atinja sem sucesso o tempo limite inicialmente previsto.

3.6. Visto isto, o Regulamento de Mediação e Conciliação do Centro de Arbitragem Comercial tem poucas -- até aqui, aliás, nenhumas -- originalidades.

Se, por um lado, se inspira claramente no Regulamento de Conciliação Facultativa do Tribunal Internacional de Arbitragem da CCI, no que respeita aos poderes conferidos ao conciliador e à própria economia do regime que consagra, por outro vai buscar ao Regulamento de Mediação Comercial da AAA as orientações que adopta sobre a neutralidade do conciliador e sobre a sua remuneração. Às mesmas preocupações que nortearam os dois referidos instrumentos deve ele a consagração dos princípios elementares da mediação e da conciliação: simplicidade, flexibilidade, confidencialidade e economia. Não há, nesta sede, muito a inovar.

Há entretanto no nosso direito civil uma figura -- o arbitramento de terceiro -- a que o artigo 1º, n.º 3 da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, de algum modo retirou autonomia, ao permitir que as partes considerem litígio e submetam a arbitragem a necessidade de precisar, completar, actualizar ou mesmo rever os contratos ou as relações jurídicas que estão na origem da convenção de arbitragem.

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 400º do Código Civil prescreve que a determinação da prestação pode ser confiada (...) a terceiro; (...) deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.

Ora é plausível a hipótese de a tentativa de conciliação ser bem sucedida apenas em parte do litígio, ficando fora do acordo das partes um pormenor que pode ir da determinação de uma prestação a um conjunto, maior ou menor, de elementos do litígio, cuja resolução as partes pretendam cometer ao próprio conciliador.

Nos casos em que os pontos que resistem à tentativa de conciliação reflectem, mais do que um conflito de interesses, um verdadeiro litígio, não há vantagem alguma, em princípio, em que o conciliador se converta em árbitro. Pode, é claro, ser outra a vontade das partes, o que o artigo 8º, n.º 3 do regulamento acautela. Esta combinação entre conciliação e arbitragem corresponde àquilo que nos Estados Unidos se chama med-arb e serve precisamente aos casos em que às partes interessa que o árbitro conheça pormenores do caso que nunca seriam revelados em arbitragem, mas que foram expostos durante o processo conciliatório. Nada impede que a med-arb seja praticada no Centro de Arbitragem Comercial, mas isso depende exclusivamente das partes e não careceria sequer de regulamentação própria.

Porém, em muitos casos o diferendo não constitui um verdadeiro litígio, nem faz necessariamente das partes adversários numa disputa. Sempre que o diferendo consista apenas na determinação da prestação ou na necessidade de precisar, completar, actualizar ou mesmo rever os contratos ou as relações jurídicas que estão na sua origem e se de tanto depender a sua solução integral, podem as partes, nos termos do artigo 11º, n.º 1 do regulamento, cometer ao conciliador o poder de o dirimir.

Nesses casos, o acordo das partes constitui convenção de arbitragem, passando o conciliador a estar investido nas funções de árbitro único (art. 11º, n.º 2), o que corresponde a aplicação do já referido artigo 1º, n.º 3 da lei de arbitragem; na decisão, deve o árbitro proceder com equanimidade e segundo o direito que julgar aplicável, a não ser que as partes o autorizem a decidir segundo a equidade (art. 11º, n.º 3), no que se aplica a doutrina do n.º 1 do artigo 400º do Código Civil, com a vantagem de se distinguir o critério de apreciação das posições das partes -- equanimidade -- do critério jurídico que deve presidir à decisão -- direito ou equidade, conforme for a vontade das partes.

A expressa previsão desta figura de med-arb restrita e limitada, ao contrário do que se passa com a outra, tem duas vantagens importantes: a primeira é a de sugerir, i. é, indicar um caminho para a resolução de certos diferendos que deixam a tentativa de conciliação à beira de ser bem sucedida; a segunda é a de permitir enquadrar no regulamento de conciliação e mediação os casos limitados que caem no seu âmbito de aplicação, em lugar de remeter as partes, irremediavelmente, para arbitragem, mais onerosa. Beneficia ela da especificidade do contexto jurídico português e constitui, na verdade, a única originalidade digna de nota do Regulamento de Mediação e Conciliação do Centro de Arbitragem Comercial.

4. É muito cedo para alargar considerações sobre o Regulamento e sobre este novo serviço que o Centro de Arbitragem Comercial passa a disponibilizar, a partir de Novembro de 1994. A falta de experiência anterior conferiria carácter de ficção científica a quaisquer desenvolvimentos que se pretendessem fazer agora sobre como irá o regulamento ser aplicado ou como irá ele ser utilizado na prática.

Será aliás a prática o melhor laboratório de ensaio das potencialidades -- e também das debilidades -- deste novo regulamento. O que é certo é que ele corresponde, por um lado, a um movimento que noutros países tem conhecido grande sucesso e, por outro, serve à resolução de muitos litígios comerciais que de outro modo não encontram solução ou são, pelo menos, de resolução muito mais difícil.

A simplicidade própria do processo de mediação e conciliação é susceptível de ocultar, a um olhar despreocupado, especialidades surpreendentes. A prática -- ela, de novo -- há-de revelá-las inesgotavelmente. Tal como se passa hoje com a arbitragem -- que, quase nas costas das preocupações dos juristas portugueses, evoluiu espantosamente sobretudo nos últimos vinte a trinta anos -- a mediação e a conciliação são processos que atingiram já, em termos de doutrina comparada, uma sofisticação tal que se não basta com mera boa vontade ou com simples bom senso. A experiência a que nos vamos entregar exige de todos duas qualidades raras: humildade e desejo de aprender. O Centro de Arbitragem Comercial, que tem cultivado essas qualidades no que respeita à arbitragem, continuará a fazê-lo, agora também em relação a este novo processo.

Notas

ste estudo, com o título "O novo Regulamento de Mediação e Conciliação do Centro de Arbitragem Comercial", foi apresentado em 24 de Novembro de 1994, por ocasião do lançamento, pelo Centro de Arbitragem Comercial (da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa / Associação Comercial de Lisboa e da Associação Comercial do Porto / Câmara de Comércio e Indústria do Porto), do seu Regulamento de Mediação e Conciliação. E veio a ser publicado no Comércio Português (órgão da CCIP / ACL), n.º 33, Out/Dez 1994, onde passou por completo despercebido. Numa época em que tanto se fala de processos alternativos de resolução de litígios, afigura-se oportuno recordar o que há cinco anos se escreveu e publicou. A republicação faz-se sem alterações de substância. Apenas se actualizam algumas referências bibliográficas (feitas no original a documentos apresentados em seminário internacional e que entretanto foram publicados) e se acrescentam algumas, poucas, notas de actualização, que vão fora da numeração sequencial das notas de roda-pé. Aproveita-se para, em anexo, dar a conhecer o Regulamento em causa.

V. American Review of International Arbitration, vol. 2, n.º 1, 1992 e Bulletin de la Cour Interntionale d'Arbitrage de la CCI, vol. 3, n.º 2, Novembro 1992.

Eric A. Schwartz, "La conciliation nternationale et la CCI", in Bulletin de la Cour Internationale d'Arbitrage de la CCI, 5/2 (Nov1994), pp. 5-19 (5).

Stephen Bond, in World Arbitration and Mediation Report, Junho 1991, p. 165, cit. in Schwartz, cit.

V. Nassib G. Ziadé, "ICSID conciliation", in News from ICSID, 13/2 (Verão 1996), pp. 3-8.

Frédéric Eisemann, "Conciliation as a means of settlement of international business disputes: the UNCITRAL Rules as compared with the ICC system", in The Art of Arbitration, Essays on International Arbitration Liber Amicorum Pieter Sanders, 1982, pp. 121 ss.

Pioneers in Dispute Resolution, AAA, Nova Iorque, 1991, p. 18.

Idem, p. 21; Douglas Hurt Yarn, "Mediation", in The American Arbitration Association Insurance ADR Manual, Shepard's/McGraw-Hill, Colorado Springs,1993, p. 28.

A mediação tem hoje nos Estados Unidos um campo de aplicação inimaginável segundo padrões jurídicos europeus: para além dos litígios de natureza comercial e laboral, a mediação aplica-se em litígios de natureza social, em escolas e instituições de estudos superiores, em relações familiares -- questões de poder paternal, de divórcio, de relações entre cônjuges e entre pais e filhos -- e até no domínio do direito penal e do direito penitenciário. Em alguns casos, os tribunais, ao abrigo de disposições legislativas ou de regras jurisprudenciais, remetem as partes para mediação, para resolução dos seus litígios ou de certos aspectos relacionados com eles; é o que se designa por court-administered mediation. V. Christopher W. Moore, The Mediation Process, Jossey-Bass, San Francisco, 1982, pp. 19 ss. e Robert Coulson, Business Arbitration - What You Need to Know, 4ª. ed., AAA, Nova Iorque, 1992, pp. 136 ss. A AAA tem regras próprias para a mediação judicial - v. Coulson, cit., pp. 143 ss.

Ainda recentemente, num estudo realizado pelo poder judicial federal norte-americano e destinado ao planeamento a longo prazo do sistema judicial federal dos EEUU, se recomendou que os tribunais distritais (primeira instância no sistema federal) fossem encorajados a ter disponível uma variedade de técnicas, processos e recursos alternativos de resolução de litígios, para ajudarem a conseguir uma justa, rápida e barata decisão dos litígios cíveis: Judicial Conference of the United States, Long Range Plan for the Federal Courts as Approved by the Judicial Conference, s.l., Dez1995, pp. 70-71 e 134. O documento está integralmente disponível na Internet, em http://www.uscourts.gov/lrp.

É o caso do Arbitration Journal, que a partir de 1994 passou a denominar-se Dispute Resolution Journal.

É no entanto de referir aqui uma experiência francesa recente, no domínio dos procedimentos de recuperação de empresas, de que dá conta Philippe Peyramaure, in "Le projet d'institution d'un règlement amiable dans le traitement des difficultés d'entreprises", in Le Règlement des Différends Commerciaux, Paris, 1984, pp. 49 ss.; consiste esta na nomeação, pelo Tribunal de Comércio, de um conciliador a quem cabe auxiliar a administração da empresa em dificuldade na obtenção de acordos com os seus credores.

Em França, a lei 95-125 de 8Fev1995, introduziu a figura da conciliação e mediação judiciárias, permitindo que o juiz, mediante acordo das partes, designe um terceiro para proceder às tentativas de conciliação prescritas na lei ou a mediação, em qualquer estado da causa e mesmo em procedimentos cautelares. Depois, o decreto 96-652, de 22Jul1996, acrescentou um título VI bis (arts. 131-1 a 131-15) ao Nouveau Code de Procédure Civile, regulando a mediação. Estes textos estão disponíveis na Internet, em http://juripole.u-nancy.fr/braudo/arbmed/sources/conciliationG/concil-gen.html . Há hoje, noutros países europeus, mais casos de regulação da conciliação e da mediação judiciárias.

´Twenty years ago, alternative dispute resolution (ADR) was primarily the concern of a few 'ivory tower' academics; 10 years ago, it was a part of the practice of a few idealistic practitioners; today, it is an integral part of the practice of lawª, Robert F. Cochran Jr., "Must lawyers tell clients about ADR?", in Arbitration Journal, vol. 48, n.º 2, Junho 1993, p.8.

Eric A. Schwartz, loc. cit., p. 6.

Verifica-se aliás nos Estados Unidos uma sintomática insegurança nestes conceitos. Cf., p. ex., Christopher W. Moore, op. cit., p. 14, Douglas Hurt Yarn, cit., pp. 27 ss. e Michael B. Shane, "Mediation and conciliation: a personal view", comunicação ao XI Colóquio Conjunto CIRDI / CCI / AAA, São Francisco, 17 de Outubro de 1994.

O art. 31º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12, prevê, no seu n.º 2., que a conciliação efectuada pelos serviços próprios do Ministério do Emprego pode traduzir-se na formulação de propostas que visem a solução do diferendo. O art. 33º do mesmo diploma regula, designadamente nos seus nºs. 2 a 4, a proposta do mediador.

Contacto directo com as partes que não exclui, note-se, a possibilidade de intervenção de advogados, se as partes o quiserem.

A conciliação judicial é um instituto com raízes fundas no direito português, porventura o primeiro a criar para ela um quadro normativo, na Ordenação e Regimento de D. Manuel I, de 25 de Janeiro de 1519. V. Alexandre Mário Pessoa Vaz, Poderes e Deveres do Juiz na Conciliação Judicial, Coimbra, 1976, p. 16, n. 7.

Isto passou-se também na reforma do processo civil português realizada em 1995/96, pelos D-L n.ºs. 329-A/95, de 12Dez e 180/96, de 25Set. V., a propósito, Ministério da Justiça, Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil, s.d., pp. 4 e 43; também no verdadeiramente ilegível -- porventura deliberadamente -- preâmbulo do D-L 329-A/95 se afirma, a dado passo, que na fase da audiência preliminar está manifestamente subjacente um apelo a uma via de conciliação. O Código de Processo Civil, em diversas disposições, acentua o papel conciliatório atribuído ao juiz: é o caso dos arts. 300º, n.º 4 e 509º, entre outros.

Melhor seria que, caso o juiz se apercebesse da possibilidade de o litígio se resolver por acordo, remetesse as partes para conciliação ou mediação exterior ao tribunal. Esta solução, que é de algum modo a do direito norte-americano, tem a vantagem de retirar efectivamente ao tribunal trabalho de algum modo inútil ou de utilidade duvidosa -- uma vez que a própria conciliação não seria conduzida pelo juiz -- e, ao mesmo tempo, liberta completamente as partes para discutirem abertamente o seu caso num processo negocial exterior ao tribunal.

Importa, no entanto, registar aqui a excepção que constitui o regulamento de conciliação do CIRDI, que admite uma pluralidade de conciliadores, em número ímpar.

A aplicação desta excepção tem sido muito rara no Centro de Arbitragem Comercial, pelo que não pode desenhar-se uma tendência interpretativa. É, no entanto, natural que não seja o Presidente do Conselho de Arbitragem muito rigoroso na interpretação da disposição, se de tanto depender a satisfação de interesses comuns das partes.

Não tendo, embora, natureza legal, mas convencional -- por isso mesmo pode ser dispensado pelas partes -- o segredo a que o conciliador está vinculado corresponde ao mesmo interesse público que justifica o segredo profissional do advogado, ou do médico, ou do jornalista: o de reforçar a confiança pública na função e naqueles que a desempenham. Como, por um lado, a mediação e conciliação não é um processo ilícito e, por outro, ela é de inegável utilidade e interesse, quer para reduzir a litigiosidade judicial, quer para promover a paz social, o progresso dos negócios e a confiança recíproca dos comerciantes, não há razão alguma para tratar a obrigação de segredo a que o conciliador está vinculado, no que respeita à sua tutela, de modo diferente daquele que a lei dispensa aos outros segredos profissionais.

A insanidade e a ignorância, numa opção puramente política, conduziram o legislador da reforma processual civil de 1995/96 a abolir a inabilidade para depor (oponível pela parte contra a qual se oferecia o depoimento), substituindo-a por uma muito restritiva recusa legítima a depor (apenas susceptível de ser invocada pelo próprio depoente). O conciliador, contratualmente obrigado a segredo profissional, deve escusar-se a depor, nos termos do n.º 3 do artigo 618º do CPC, sob pena (?!) de incorrer em responsabilidade contratual (!!); no entanto, ao abrigo do n.º 4 do art. 519º do mesmo Código, o juiz cível pode (pasme-se!) desencadear o mecanismo regulado no art. 135º do CP Penal para ordenar a prestação do depoimento. Não é preciso explicar quanto esta alteração legislativa neutraliza, de resto sem qualquer espécie de justificação, as preocupações traduzidas no n.º 4 do artigo 8º do Regulamento aqui estudado. O mesmo poder legislativo que se manifesta preocupado em encorajar a resolução extrajudicial de litígios e em proporcionar meios para realizar esse fim, dá, por ignorância pura, golpes de morte em dispositivos velhos de décadas que facilitavam afinal os seus propósitos.

Renato Scognamiglio, Dei Contratti in Generale, vol. do Commentario del Codice Civile de Antonio Scialoja e Giuseppe Branca, Bolonha e Roma, 1970, p. 391; Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts - Erster Band - Allgemeiner Teil, 13ª. ed., Munique, 1982, pp. 78 ss.

O que é mais natural é que acordo que ponha termo ao processo conciliatório seja reduzido a escrito; assim acontecerá, em princípio, se o acordo resultar, v. g., em novação objectiva, ainda que se não exija para o novo contrato a forma escrita. Nos termos do art. 1250º do CC, o acordo que constitua transacção preventiva não pode mesmo deixar de ser escrito. Por outro lado, se as partes pretenderem atribuir ao acordo força executiva e ele se destinar a ser executado em Portugal, deve conformar-se com os requisitos formais dos títulos executivos, de acordo com a lei portuguesa (cf. arts. 50º e 51º do CPC). É, por isso, de esperar que em muitos casos o acordo careça de alguma das modalidades de intervenção notarial.

Sobre a distinção entre arbitramento de terceiro e arbitragem, v. Luis Diez-Picazo, El Arbitrio de un Tercero en los Negocios Jurídicos, Barcelona, 1957, pp. 59 ss.

V. Robert Coulson, cit., pp. 135 s

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