Dr. José Carlos De Magalhães

El Arbitraje Comercial Internacional como medio alternativo privado de solución de controversias.

Quero inicialmente agradecer e registrar minha satisfação de vir mais uma vez aqui à Ordem dos Advogados para discutir com colegas assuntos de interesse, não só da advocacia em geral mas, também, do mundo jurídico, e ao convite formulado pelo meu amigo, Dr. Paulo de Tarso Santos, para aqui comparecer e discutir este assunto. Na minha função de debatedor devo restringir a minha intervenção à palestra, à excelente palestra feita pelo nosso querido amigo, Professor Irineu Strenger, que destacou alguns aspectos que eu gostaria também de enfatizar.

Sobre outro enfoque, referiu ele que a arbitragem é um instituto antigo, desde da idade média, que existia até antes, e que agora voltou novamente a ser procurado. Na verdade, se examinarmos, há uma coincidência entre o que ocorria na idade média e o que ocorre hoje; na idade média não existia Estado, de modo que as feiras, os comércios, eram muito impulsionados pelos comerciantes; o papel do comerciante era muito importante. E vemos que, depois do Tratado de Westfália, com a presença do Estado, a arbitragem decresceu, quase não se utilizou mais a arbitragem, e ela voltou, significativamente, a florescer depois da Segunda Guerra Mundial, quando novamente os Estados perderam um pouco a sua importância. Depois de 1945, começamos a ver os Estados atuarem na área internacional juntamente com outros atores, com organizações internacionais, com grupos de pressão, organizações inter-governamentais, como as empresas multinacionais, hoje empresas globais. Portanto, o papel do Estado reduziu-se, e coincidentemente, surgiu também a arbitragem como meio pacífico de solução de controvérsias. O Professor Irineu mostrou que as leis de arbitragem são recentes, percebe-se só pelas datas dessas leis que houve um movimento geral de arbitragem no mundo, a partir dos anos 60. Em 1975, a lei francesa modificou todo o conceito de arbitragem; em 1962, o mesmo ocorreu também na Finlândia, 94 na Itália, 96 na Inglaterra. Tivemos também leis novas na Grécia, na Espanha, no Canadá e no Brasil em 96. De modo que houve um movimento mundial de reformulação das leis de arbitragem, o que mostra o fenômeno que coincide com o movimento de globalização, um movimento da emergência da lex mercatória que também é prática antiga e que, de repente, volta. Portanto, a arbitragem não nasceu como modismo; ela provém de uma situação de fato em que o mundo se encontra. Hoje o Estado não tem a mesma presença do século passado e até meados deste século. Hoje o Estado convive com outros atores na esfera internacional. Basta ver o número dos investimentos internacionais, a presença das empresas internacionais, as chamadas empresas globais, tudo a exigir reformulação.

Outro ponto importante abordado pelo Professor Irineu é a questão da jurisdição do árbitro. Vou tocar neste ponto porque, normalmente, o advogado, ligado mais à parte processual, normalmente entende a conexa à idéia do Estado ou do juiz. A jurisdição, geralmente, é entendida como provinda do Estado; é o Estado que tem jurisdição, é o juiz que tem a jurisdição. Esse é um vício que temos, que vem dos bancos da faculdade. Esquecidos de que nossas constituições, desde a do império, por influência da revolução francesa, consagram a idéia de que a jurisdição quem a tem é o povo; a jurisdição quem a tem é a nação, a jurisdição quem a tem é o indivíduo. O artigo primeiro da Constituição, parágrafo primeiro, diz: "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido". Portanto, o próprio Estado não tem jurisdição originária. O Estado tem jurisdição delegada. Se o Estado tem jurisdição delegada, quem tem jurisdição originária é a nação, é o povo. E quem faz o povo? São os indivíduos que o compõem. Portanto, a jurisdição quem a tem é o povo. O Estado tem jurisdição delegada, que é dada pela Constituição. E o árbitro, de onde vem essa jurisdição? Vem das partes; o árbitro tem a mesma jurisdição do juiz, do Presidente da República, do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Jurisdição, nada mais é que o poder de dizer o direito ou, se quiserem, autoridade para dizer o direito. O juiz tem autoridade para dizer o direito, conferida pela Constituição, pelo povo. O árbitro tem autoridade para dizer o direito, conferida pelas partes. Portanto, ele declara o direito, como o juiz. Por isso que a lei fala que o árbitro é o juiz de fato do direito, não é uma força de expressão, é realidade.

É curioso que os processualistas têm dificuldades com este conceito, porque a idéia é sempre de que a jurisdição é do juiz, a jurisdição é do Estado, o indivíduo não pode ter jurisdição. Não é bem verdade; o Código Civil, no artigo 1030, no caso da transação, diz que a transação produz os efeitos de coisa julgada e só pode ser rescindida nas mesmas hipóteses pelas quais podem ser rescindidos os atos jurídicos. Portanto, as partes têm jurisdição para resolver os seus próprios conflitos de natureza patrimonial. É claro que há, aí, um ponto importante: o que não é de natureza patrimonial não pode ser objeto de arbitragem, como também não pode ser objeto de transação.

Essa questão da constitucionalidade da arbitragem pendente no Supremo Tribunal Federal - diga-se de passagem, é um voto do Ministro Sepúlveda Pertence, em um caso de homologação de sentença arbitral estrangeira, em que ele homologa o laudo estrangeiro de arbitragem, mas, incidentalmente, acha que tem o dever de examinar a constitucionalidade da Lei 9307, e entende que o artigo sétimo seria inconstitucional. Esse voto não é um julgamento; é um voto; portanto, é apenas uma opinião ainda. Esse voto circula pelo país inteiro. É de certa forma, posição de natureza política para permitir a discussão da arbitragem. O Ministro Jobim pediu vista do processo, já há dois anos, porque, certamente, receia uma decisão contrária do Supremo Tribunal Federal. Então, vemos aí que há uma questão política pairando sobre a constitucionalidade da arbitragem, embora o Supremo já decidiu que a arbitragem é constitucional. Há um acórdão do plenário do Supremo Tribunal Federal, de 1972, no caso Lage, que decidiu essa questão definitivamente; arbitragem é constitucional. Ela não é foro de exceção e não é tribunal privilegiado, constitui mecanismo privado de solução de controvérsias; se eu posso renunciar a meu direito, posso submeter à arbitragem, controvérsia sobre esse direito.

O outro ponto que o Professor Irineu abordou, e que mostra também esse caráter da arbitragem, é o número significativo, número expressivo, diria eu, de convenções internacionais sobre arbitragem. A primeira Convenção deste século sobre arbitragem é de 1922, assinada pelo Brasil, foi a Convenção de Genebra, sobre cláusula arbitral. O Brasil ratificou-a apenas em 1933. Portanto, o Brasil faz parte dessa Convenção. Nunca houve qualquer precedente jurisprudencial que a tivesse aplicado, simplesmente porque, no Brasil, não havia cultura da arbitragem. A primeira vez que foi invocada foi muito recentemente, no julgado do Supremo Tribunal de Justiça, em arbitragem em que uma das partes recusou-se a cumprir o laudo e essa questão foi discutida. Portanto, não é nova no Brasil a arbitragem. Desde 1933 o Brasil ratificou a Convenção de Genebra considerando, assim, que que a cláusula arbitral comporta execução compulsória, dispensando compromisso, mas nunca a aplicou. O Brasil também assinou a Convenção do Panamá, de 1975, e só em 96 é que foi ratificada. Convenção de Nova Iorque, de 1958, que muitos países ratificaram, está agora pendente de homologação no Congresso. O Executivo já encaminhou ao Congresso mensagem pedindo a ratificação. Já há parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e deve ser aprovada.

Mas, pelas datas dessas Convenções, já se vê que a arbitragem é algo relativamente novo que está sendo reformulado no mundo inteiro. A própria lei modelo de UNCITRAL está sendo acolhida por diversos países. O movimento em favor da arbitragem; como diz o Professor Irineu, veio para ficar, não é um modismo. Essas Convenções mostram que se trata de um mecanismo de cooperação jurisdicional para dar execução às arbitragens estrangeiras.

No que diz respeito ao MERCOSUL, abordar questão levantada pelo Dr. Paulo de Tarso, se no MERCOSUL há controvérsias entre particulares, por que não há um regulamento sobre isto? Na verdade, o Sistema de Solução de Controvérsias do MERCOSUL é entre Estados. Não tem nada a ver com as arbitragens entre privados. Nada impede que, havendo uma controvérsia entre pessoas privadas que residam em países do MERCOSUL, resolvam as suas controvérsias por qualquer dos mecanismos já existentes hoje, ou aplicando-se a lei brasileira ou a lei de outros países ou, até mesmo, uma arbitragem ad hoc. Há, a meu ver, certa confusão em se pretender que se faça no MERCOSUL um mecanismo ou convenção sobre arbitragem específica para o MERCOSUL. Eu não vejo a necessidade disto, porque arbitragem é sempre um meio privado de solução de controvérsias. Sempre que nos esquecemos disso há o risco de repetir o erro em que a lei brasileira incorreu, de equiparar a arbitragem a uma solução pública. A lei brasileira, seguindo nesse ponto a lei modelo UNCITRAL, considera estrangeira a arbitragem, cujo laudo foi proferido no exterior; ou seja, se temos dois brasileiros que controversam sobre um imóvel situado no Brasil, submetido à lei brasileira, mas se, por acaso, o árbitro proferiu o laudo na França, a arbitragem é estrangeira, porque proferida em outro local. Agora, por que qualificar de estrangeira uma arbitragem proferida fora do território brasileiro, se a arbitragem é um meio de solução de controvérsias privado? O que importa não é o local onde foi feita a arbitragem, mas sim a natureza da arbitragem; ela é nacional ou internacional? A França resolveu isto de uma maneira muito interessante. A arbitragem na França, ou é francesa ou é internacional. Ela é internacional, se envolver algum elemento estrangeiro, se o litígio for estrangeiro, se tiver partes domiciliadas fora do país, se o objeto da arbitragem contiver um elemento estrangeiro; nesse caso a arbitragem é internacional, e aí há normas diferentes das que regem a arbitragem nacional. Isto me parece importante, porque se procurou equiparar, no caso brasileiro, a arbitragem a uma sentença judicial. Tanto que se exige, no caso da arbitragem internacional, ou arbitragem estrangeira, a homologação do Supremo Tribunal Federal. E por que homologar pelo Supremo Tribunal Federal? O Supremo tem que homologar uma sentença judicial estrangeira, porque a sentença judicial estrangeira é um ato oficial, é um ato de um país, é um ato de uma autoridade que, para valer no Brasil, tem que ser aprovado pela ordem jurídica brasileira. Ora, o laudo arbitral é um ato privado. É o Senhor José da Silva que fez um laudo arbitral, resolvendo uma situação entre o João e o Joaquim. Embora feito no exterior, como o contrato internacional, porque o laudo deve ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal? A explicação dada é a de que, se a sentença judicial tem que ser homologada por que não o laudo arbitral? Esqueceu-se de que a sentença tem que ser homologada porque provém de uma autoridade pública estrangeira. Eu não posso, no Brasil, executar sentença de um outro país. É preciso que a ordem jurídica brasileira a aceite. Agora, o laudo arbitral é um ato privado. Se eu fizer um contrato no exterior, tenho que homologar este contrato aqui no Brasil? ou eu cumpro o contrato pura e simplesmente? Há milhares de contratos que são cumpridos normalmente. Então, este conceito me parece importante também para entender o que seja arbitragem, para evitar que a arbitragem seja confundida com um ato público, um ato de uma autoridade pública; o laudo não provém de autoridade pública. A arbitragem é um ato privado entre partes privadas e se destina a resolver uma controvérsia de caráter privado.

Meu tempo é curto, tenho a impressão de que, como debatedor, não devo falar muito, mas gostaria, apenas, de salientar a participação do advogado na arbitragem. Advogado é advogado, árbitro é árbitro, árbitro é juiz. A idéia é de se procurar estabelecer uma espécie de reserva de mercado para os advogados de que os tribunais arbitrais devem ser constituídos apenas por advogados, é a meu ver, um equívoco, porque, como o Professor Irineu Strenger salientou bem, juizo arbitral deve ser composto por quem entende do assunto. Os Juízos arbitrais das bolsas de valores, das bolsas de mercadorias, das entidades corporativas, são compostos por comerciantes, pelas pessoas que entendem daquele assunto. Na Inglaterra, nos Estados Unidos, essas entidades corporativas fazem laudos arbitrais muito simples, com quatro ou cinco linhas. Essas câmaras corporativas, no caso de cereais, por exemplo, se há uma reclamação de que um exportador obrigou se a exportar uma quantidade de cereais ao preço X e não exportou e o importador teve que comprar de fonte alternativa e pagou preço maior, reclama. Institui-se uma arbitragem e o laudo arbitral dispõe simplismente que o exportador obrigou se a vender a um preço certo, não entregou, o importador foi obrigado a pagar preço maior, devendo, portanto, a diferença de preço ser indenizada pelo exportador inadimplente. É um laudo arbitral. Não tem fundamentação, não tem doutrina, não tem jurisprudência, é feito por um dos que participam daquele tipo de comércio, muitas vezes até concorrentes uns dos outros; é um laudo que resolve e as partes cumprem e cumprem religiosamente porque são partes que participam de um comércio, de um setor do comércio que sempre é restrito e se não cumprirem, a sua credibilidade fica comprometida; então, têm interesse em cumprir. Não há advogado como árbitro; o advogado assiste as partes, como advogado, o árbitro não precisa ser.

Há que se lembrar um dado, apenas para terminar, que é importante: no Brasil, a arbitragem do Código Comercial era obrigatória para os comerciantes, mostrando um pouco essa velha tradição, que os comerciantes são os que resolvem as suas próprias controvérsias, e nosso Código Comercial tem essa disposição, revogada no ano de 1870. A arbitragem era obrigatória para os comerciantes, até a falência; só podia ser decretada pelo Tribunal de Comércio. Isto acabou, tendo sido revogado, e vemos juristas, como Carvalho de Mendonça, por exemplo, que comemorou o fim da arbitragem obrigatória, como sendo Instituto que não funciona. Mas, a idéia da arbitragem, é a de afastar o Estado e deixar que as controvérsias sejam resolvidas pelas partes. Com isto encerro e deixo a palavra para o nosso próximo debatedor. Muito obrigado.

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