CONSENSO E ARBITRAGEM 
Cláudio Vianna de Lima


A Salvatore Satta, em obra da sua juventude, hoje clássica, se deve a compreensão de que a arbitragem é a exaltação da liberdade. Poder-se-a acrescentar mais: exaltação da liberdade em uma forma superior, altruísta, porquanto em cooperação com outrem, com o semelhante, por meio de acordo de vontades, do consenso. O consenso, na linguagem leiga, mesmo nos dicionários, é o mesmo que consentimento, o ato de consentir, o acordo, a anuência, a tolerância. Mas, no mundo do Direito é muito mais, porquanto a ordem jurídica, universal, atribui ao acordo de vontades das pessoas os efeitos de criar, modificar, transferir e extinguir direitos subjetivos. Pelo consenso, pode-se, então, resolver conflitos de interesses.

O consenso, nessa acepção jurídica, é pressuposto essencial e insubstituível para o uso da arbitragem, como, aliás, de todos os meios pacíficos de solução de choques de vontades, além da arbitragem, a mediação e a conciliação.

Mas, o consenso não envolve só o acordo para resolver divergências amigavelmente, fora da justiça formal do Estado. Implica, ainda, anuência em se firmar a solução definitiva, pacífica, da desavença, resolvendo-se, de forma amigável, a desavença das partes em si. O pacto de cumprir o que foi decidido. O consenso é, ainda, o ânimo de que se revestem as partes dasavindas, na cooperação bilateral, até que se elimine, de vez, a divergência que separa as partes.

O princípio, universal, da autonomia da vontade encontra, em decorrência, na base dessa disposição, um outro princípio, universal também, que é a boa fé.

O princípio da boa fé significa a convicção, com que se apresenta cada uma das partes, de que está agindo conforme os mais legítimos preceitos jurídicos e éticos. Mais. Ambas as partes se mostram intimamente convencidas de que a outra se conduz com a mesmo e estrita observância dos mesmos preceitos.

Assim, além do consenso na escolha da fórmula, pacífica, de solução da diferença, há o consenso na solução em si mesma.

Precisamente, esse consenso final é o que se objetiva. Mas, o consenso, nos desdobramentos apontados, é o que importa no pensamento constante, de início ao fim, de se resolver a dissenção de forma prática, informal, célere, mais eficiente, a certos respeitos com muito melhor qualidade de justiça e com menos dispêndio, de tempo e de custos.

O consenso, assim entendido, é o começo e o fim de todo procedimento da espécie. É esta base consensual — que quanto mais sólida melhor! — o segredo, a receita mágica, de tornar possível a solução fora da Justiça do Estado. Supera, até, óbices formais, cortando caminho, ultrapassando exigências legais existentes em favor das partes, que o julgador oficial não pode, de forma alguma, dispensar, sob pena de lesão dos direitos dos dissidentes. Mas que estes, pelo consenso, pelo desarmamento dos espíritos, pelo ânimo de boa fé, pelo propósito firme de amigavelmente resolver a questão, podem abrir mão, com a economia do tempo, de esforços e de desgastes próprios das desavenças.

Reflexões como as que ora se fazem muito ajudam à compreensão da celeridade, da eficiência, da simplicidade e informalismo, da melhor qualidade, vezes sem conta, da justiça obtida, do menor custo, das qualidades, enfim, que acompanham o procedimento arbitral, como de resto todos os meios alternativos amigáveis e pacíficos de se resolverem questões. Se o consenso existe, com todos os seus consectários (boa fé, disposição de ânimo para o acerto, definitivo, da divergência, empenho em encetar o caminho para o consenso final), são eliminados os obstáculos formais, atalhos são encontrados, a meta final — a solução do conflito — é alcançada, e de maneira mais pronta, sem seqüelas e ressentimentos. Concentram-se as partes no ponto principal, que é a solução da pendência, de forma que as arestas do formalismo são postas de lado, com a conseqüente economia de tempo, esforços e dispêndios.

Na verdade, limitados todos ao pensamento — e preocupação dominante — que é a real e definitiva resolução do caso, os aspectos formais, exteriores, episódios, mesquinhos do problema são deixados de lado.

Não é o que se surpreende no processo comum, na justiça estatal, de contenciosidade intrínseca, a exsurgir em cada aspecto da desavença, seja ou não relevante para o efetivo deslinde da questão. A má vontade de uma para com a outra parte faz com que sejam exagerados incidentes formais, com vistas ao propositado retardamento do desfecho final. A tanto se soma o volume grande de causas levadas ao Judiciário, com o que se intenta, sem razão, justificar a conformidade, generalizada, de julgadores e partes com o acúmulo de processos e com a demora das decisões.

Uma razão prática, desta sorte, conduz ao convencimento de que as soluções do consenso são, muitas vezes, as melhores e mais aconselháveis, o que, inevitavelmente, importa em admitir que a arbitragem mais atende ao ideal de justiça, uma verdadeira antecipação do direito do futuro, que, como se espera, será o mais aperfeiçoado e eficiente por seu fundamento: o consenso!

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