A ARBITRAGEM NÃO QUER "ABAFAR" NINGUÉM...

CLÁUDIO VIANNA DE LIMA
(Árbitro do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino Brasileira de São Paulo). 

Disseram, certa vez, ao grande NOEL ROSA que ele não podia fazer samba: não era "crioulo e não morava no morro. A resposta do cantor de Vila Isabel veio em samba. "Palpite infeliz", música popular, hoje clássica, divulgada e consagrada pela voz anasalada e famosa da grande Araci de Almeida. "Quem é você, que não sabe o que diz ? Meu Deus do Céu! Que palpite infeliz! Salve, Salve, Salgueiro e Mangueira, Osvaldo Cruz e Matriz, que todos sabem muito bem que a Vila não quer "abafar" ninguém. Só quer mostrar que faz samba também", dizia a música em seus versos. 

A lembrança do fato vem a propósito de pronunciamento de douto magistrado, professor de Direito Processual, ante a promulgação da lei n.º 9307/96, que dispõe sobre a arbitragem. Diz o pronunciamento que "os juizes não dividem a jurisdição". Mas, perdoem a pergunta: quem falou em dividir a jurisdição ? A arbitragem é consensual, em um plano, veja-se assim, abaixo do nível em que está a jurisdição, expressão da soberania do Estado, como as suas funções normativa e administrativa, que se situa em altura superior ao daquele em que há o desenvolvimento das relações entre os particulares, que estão sujeitas à autoridade do Estado. A ordem jurídica, ou o sistema legal sob que se vive, reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos jurídicos por meio de certos atos. O saudoso ORLANDO GOMES apontava aí o território da AUTONOMIA PRIVADA, isto é, do poder atribuído ao particular de partejar, por sua vontade, relações jurídicas concretas, admitidas e reguladas, IN ABSTRACTO, na lei. JULLIOT DE LA MORANDIÈRE ensina : "denomina-se "PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE" a medida na qual o direito positivo reconhece aos indivíduos a possibilidade de praticar atos jurídicos, produzindo seus efeitos. Conforme o grau de democracia exercitado, esse poder dos indivíduos sofre maiores ou menores restrições. Quanto mais perfeita a democracia, menores as restrições. O fato é que o princípio da autonomia privada existe, é democrático, é tido como expressão da liberdade individual e elevado à condição de princípio fundamental do direito privado. Assim, a vontade individual cria direitos em larga extensão. Entre os atos bilaterais, a autonomia da vontade se tem como LIBERDADE DE CONTRATAR. A lei não dita, em princípio, restrições na celebração e na eficácia dos contratos. São as partes livres para contratar o que for de seu interesse e conveniência. Exige, só, que haja liberdade absoluta no se obrigar. A obrigação é limite da liberdade. Somente a própria pessoa deve restringi-la. Mas, assumida a obrigação, por ato livre de vontade, há que ser cumprida. "PACTA SUNT SERVANDA". Deve ser notada, apesar de certas tendências de limitar a manifestação de vontade, apesar de anunciada e esperada a decadência da autonomia da vontade, permanece o princípio, ainda, como regra geral vige a norma de que os indivíduos podem criar efeitos jurídicos, mediante atos de vontade. 

Passando-se estes atos de vontade, como se assinalou, no campo, demarcado, da autonomia privada, parece desnecessário completar que tais atos, havendo, eventualmente, violação da lei, poderão, ante o surgimento de conflito de interesses, passar ao nível superior, se houver opção da via jurisdicional para dirimir o conflito. Havendo eleição do procedimento arbitral, ou de outro meio pacífico de se resolverem os choques de interesses, permanecer-se-á, então, no campo da autonomia privada. Quem pode manifestar a vontade para se obrigar e contratar, também pode fazê-lo para se desobrigar e distratar, que é o mais, como pode submeter a questão a ser resolvida com a cooperação de árbitros, mediadores e conciliadores, o que é o mínimo! De toda a sorte, não se cogita de jurisdição... 

Aliás, cabe registrar, a arbitragem prescinde da jurisdição e se orgulha, precisamente, de solucionar conflitos sem o uso da imposição e da força, o que permite a sua agilidade, simplicidade, informalismo e baixo custo. Curioso é que profissionais da magistratura, alguns poucos, é verdade, que pagos pelo Estado, resolvam ou não os conflitos de interesses que lhe são afetos, não fazem justiça, não queiram que outros o façam. Não fazem e não deixam fazer! 

Como no caso do samba, não é a cor da pele do compositor ou a sua residência no morro que dão à sua música a qualidade exigida pela aceitação geral. Parodiando NOEL: a arbitragem não quer "abafar" ninguém! Só quer mostrar que faz justiça, também . .

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