A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

André Cremonesi
Juiz do Trabalho Substituto ( TRT 2.ª Região, São Paulo) e membro do Conselho de Ética do CAESP – Conselho Arbitral do Estado de São Paulo

É cediço que o Poder Judiciário, qualquer que seja o ramo de atuação, sofre de problemas crônicos. Com efeito, o não preenchimento de todas as vagas de juízes, a falta de funcionários e o grande número de litígios contribuem de forma significativa para o atraso da prestação jurisdicional, não obstante o esforço e dedicação de todos.

O legislador pátrio, buscando solucionar o problema, ainda que de forma parcial, procura estimular a solução dos litígios por meio de heterocomposição, que não unicamente a jurisdição do Estado. Ou seja, é a busca incessante pela pacificação social.

Nesse passo, o Congresso Nacional aprovou a Lei n.º 9.307/96 de 23/09/96 que dispõe sobre o instituto da arbitragem.

Neste modesto trabalho, trataremos do instituto em comento, sua aplicabilidade no direito do trabalho e as conseqüências da inserção de cláusula compromissória nos contratos individuais de trabalho.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LEI 9.307/96 DE 23/09/96

O único dispositivo constitucional que prevê a utilização da arbitragem como forma de heterocomposição de litígios encontra-se no artigo 114, § 2.º, in verbis:

Art. 114 – § 2.º - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais que proferir.

Como se vê, o supracitado dispositivo constitucional contempla apenas e tão-somente solução por meio da arbitragem quando se tratar de dissídio coletivo de trabalho, tendo ficado silente quanto à utilização do referido instituto nos dissídios individuais trabalhistas.

Neste trabalho deixaremos de lado o estudo da arbitragem nos dissídios coletivos trabalhistas, para enforcarmos apenas a sua aplicabilidade nos dissídios individuais de trabalho.

Estranhamente – ou propositalmente -, a lei 9.307/96 de 23/09/96 não contemplou nenhum capítulo para a arbitragem no direito laboral. Isto porque, como já dito, a arbitragem somente está prevista no artigo 114, § 2.º, da Lei Maior.

Entretanto, o silêncio do legislador pátrio pode ter sido proposital, na medida em que a relação jurídica entre patrão e empregado tem peculiaridades não encontradas, por exemplo, nas relações jurídicas de direito civil, de direito comercial, de direito internacional, etc.

APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM

Dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 9.307/96 que:

Art. 1.º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Mutatis mutandis, não se aplica o diploma legal em comento quando se tratar de direitos indisponíveis. Referida regra, de conteúdo evidentemente limitador, tem lógica na medida em que direitos indisponíveis não podem ser objeto de transação, seja judicial, seja extrajudicial.

O CONCEITO DE ARBITRAGEM

Entende-se por arbitragem como uma forma heterocompositiva de solução de litígios, aplicável somente a direitos patrimoniais disponíveis, por meio da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem poderes das partes litigantes, sem a interferência do Estado-Juiz, sendo que a decisão assume eficácia de sentença judicial. Em suma: é um equivalente jurisdicional.

O PROCEDIMENTO DA ARBITRAGEM

A convenção de arbitragem é assim composta: cláusula compromissária + compromisso arbitral

A cláusula compromissória é o ajuste contratual em que as partes se comprometem a submeter à arbitragem os conflitos que porventura surgirem no curso de uma relação jurídica. Referida cláusula, se houver, deve ser expressamente inserida no contrato, o que afasta a possibilidade de contrato verbal contemplando-a. Se inserida num determinado contrato obriga as partes a se submeterem à arbitragem.

O compromisso arbitral é o documento através do qual as partes submetem um conflito à arbitragem e deve conter obrigatoriamente a qualificação das partes, o nome e a qualificação do árbitro, a matéria objeto da arbitragem e o lugar onde será proferida a sentença arbitral.

Esclarecimento importante que fazemos neste ato e que repercutirá na conclusão do presente trabalho: a arbitragem poderá ser escolhida como forma de solucionar o conflito existente quando do surgimento do litígio sem que, necessariamente, o contrato firmado pelas partes contenha cláusula compromissória.

Isto quer dizer que, se assinado contrato com cláusula compromissória as partes, obrigatoriamente, devem escolher de comum acordo um árbitro e assinar o compromisso arbitral. Contudo, se inexistir referida cláusula, nada impede que as partes elejam um árbitro quando do surgimento do litígio, a fim de solucioná-lo sem a interferência do Poder Judiciário.

EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA ARBITRAL

Antes da aprovação da Lei n.º 9.307/96 a decisão apresentada às partes litigantes chamava-se laudo arbitral e seu efeito era de título executivo extrajudicial.

Com o advento do diploma legal retromencionado a decisão passou a ser conhecida como sentença arbitral e seu efeito é de título executivo judicial.

Daí decorre a significativa importância na inovação legislativa e a grande responsabilidade cometida tanto às partes no momento da escolha do árbitro, bem como a responsabilidade deste ao proferir decisão, que se traduz em título executivo judicial.

CONSEQÜÊNCIA DA ESCOLHA DA SOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA ARBITRAGEM

A principal conseqüência da escolha da arbitragem como solução de litígios é a renúncia à jurisdição do Estado.

Com isso queremos destacar quão importante se revela tal escolha, na medida em que, em tese, obstaculiza a procura pelo Poder Judiciário.

Falamos “em tese” obstaculiza, vez que há uma hipótese em que a solução por meio da arbitragem pode restar afastada, qual seja na ocorrência de coação de uma parte – a mais forte na relação jurídica - sobre a outra – a mais fraca nessa mesma relação jurídica - para forçá-la à submissão a tal forma de solução de conflitos.

COAÇÃO

Por força do artigo 8.º da Consolidação das Leis do Trabalho aplica-se subsidiariamente o Direito Comum às relações jurídicas laborais.

A coação é um vício de consentimento que macula o ato jurídico. Nesse passo, há que se conferir observância ao contido no artigo 98 do Código Civil, a saber:

A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família, ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido.

Doutrinariamente, a coação pode ser absoluta ou relativa.

No entender de Silvio de Salvo Venosa, a coação absoluta é aquela que tolhe totalmente a vontade. Não há vontade ou, se quisermos, existe apenas vontade aparente.

De outra banda, para o ilustre doutrinador, a coação relativa conserva ao coacto a possibilidade de optar entre expor-se a mal cominado e a conclusão do negócio que se lhe pretende extorquir. Neste caso, a vontade do agente fica tão-só cerceada e não totalmente excluída.

Em nosso modesto entendimento a assinatura de cláusula compromissória de arbitragem quando da contratação do trabalhador se enquadra nos moldes da coação relativa. Dizemos isto porque o contrato individual de trabalho é dotado de peculiaridades de que trataremos a seguir.

PECULIARIDADES DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

A princípio pensamos que a lei 9.307/96 tenha sido aprovada visando a solução de conflitos no campo do direito civil, no direito comercial e no direito internacional. Isto porque, com exceção das relações jurídicas regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, inexiste a figura do hipossuficiente, ou seja, da parte considerada mais fraca na relação jurídica de direito material.

De outra parte, as relações jurídicas trabalhistas são dotadas de peculiaridades não encontradas em outras relações jurídicas. Provavelmente a principal delas seja o fato de que emerge a situação de hipossuficiente do trabalhador em relação ao empregador, assim entendido como o contratante, aquele mais forte, detentor do poder econômico, o que lhe permite impor condições menos favoráveis ao contratado, no caso, o trabalhador.

APLICABILIDADE DA LEI N.º 9.307/96 DE 23/09/96 NAS RELAÇÕES JURÍDICAS TRABALHISTAS

Neste trabalho não discorreremos de forma profunda acerca da possibilidade ou não de solução de conflitos trabalhistas por meio do instituto da arbitragem.

Entendemos, com a devida vênia, ser possível solucionar conflitos individuais trabalhistas por meio do instituto da arbitragem, especialmente quando finda a relação jurídica existente entre as partes, o que permite asseverar que os direitos tornam-se patrimoniais disponíveis. Entender ao contrário seria concluir equivocadamente pela impossibilidade de acordo perante a Justiça do Trabalho.

UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS COM A INSERÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ASSINADA PELAS PARTES NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Resta-nos, agora, discorrer apenas quanto à inserção de cláusula compromissória quando da celebração de contratos individuais de trabalho.

Por primeiro, faz-se necessário lembrar que a admissão expressa da utilização de arbitragem no dissídio coletivo trabalhista por certo teve como fundamento o fato de que tal se dê por intermédio dos sindicatos das categorias profissional e econômica. Com efeito, sindicatos fortes - ainda que nem todos – podem melhor negociar e também melhor acompanhar o andamento da solução a ser proferida pelo árbitro.

O mesmo não ocorre no dissídio individual trabalhista, em que o poder do empregador aflora nitidamente em desfavor do trabalhador. Esse poder de que falamos pode se expressar com a obrigatoriedade de assinar contrato individual de trabalho que contenha a cláusula compromissória de arbitragem.

Apenas para fazermos um paralelo é bom lembrar o que ocorreu quando do advento da Lei n.º 5.107/66 que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Foram criadas duas figuras, a saber: empregados optantes pelo regime do FGTS e empregados não optantes pelo referido regime. Este último regime consistia na manutenção da estabilidade decenal, nos termos do artigo 492 e seguintes do Texto Consolidado.

O empresariado, com poucas exceções, sempre teve visão distorcida do regime da estabilidade decenal, pelo que considerava um entrave às relações jurídicas trabalhistas. Nesse passo, com a adoção do duplo regime de contratação, viu-se o empresariado confortável na condição de contratante, ou seja, ou o trabalhador aceitava a condição de optante pelo regime do FGTS, ou não era contratado. Via de conseqüência, o regime da estabilidade decenal passou a existir apenas em tese e jamais na prática, até ser revogado para as novas contratações com o advento da Constituição Federal de 1988, que consagrou o FGTS como direito dos trabalhadores.

Não resta qualquer sombra de dúvida que, se aplicada a letra fria da Lei n.º 9.307/96 de 23/09/96, o mesmo ocorrerá quando da admissão de trabalhadores por meio de contrato escrito, com a inclusão da cláusula compromissória de escolha de solução de eventuais conflitos por meio do instituto da arbitragem.

Ademais, o instituto da arbitragem – muito difundido na Europa e nos Estados Unidos – ainda não está devidamente inserido na cultura do povo brasileiro, o que provavelmente demore algum tempo para acontecer.

Nessa esteira de raciocínio, entendemos que no direito do trabalho a Lei n.º 9.307/96 possa ser aplicada apenas e tão-somente quando finda a relação jurídica de trabalho e mesmo assim com a adaptação necessária, assim entendida como a vedação de assinatura de cláusula compromissória quando da celebração de contrato de trabalho, sob pena da Justiça do Trabalho passar a rejeitar sistematicamente preliminar de incompetência da jurisdição do Estado por conta da assinatura de referida cláusula no momento da admissão, com fundamento no artigo 5.º, inciso XXXV, da Carta Republicana de 1988.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, podemos concluir o seguinte:

a) a única menção ao instituto da arbitragem contemplada pelo legislador constituinte encontra-se prevista no artigo 114, § 2.º, da Constituição Federal e mesmo assim no caso de dissídios coletivos de trabalho;

b) a Lei n.º 9.307/96 de 23/09/96 somente tem aplicabilidade para solucionar litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis;

c) a arbitragem é uma forma heterocompositiva de solução de litígios e um equivalente jurisdicional. Com o advento da Lei n.º 9.307/96 de 23/09/96 a sentença arbitral tem força de título executivo judicial;

d) a convenção de arbitragem é composta de cláusula compromissória de arbitragem + compromisso arbitral;

e) para que as partes se submetam à arbitragem não é necessário ter assinado contrato com cláusula compromissória de arbitragem, mas apenas escolher o árbitro de comum acordo e assinar o compromisso arbitral quando do surgimento do litígio;

f) a coação, como prevista no Código Civil, pode ser absoluta ou relativa;

g) a exigência de cláusula compromissória de arbitragem na contratação de empregados caracteriza coação relativa;

h) o contrato de trabalho ainda se mantém com algumas peculiaridades que o diferenciam dos contratos de direito civil, comercial e internacional, pois permanece o empregado em situação de hipossuficiência, ou seja, desnivelado em relação ao empregador, que detém o poder econômico e, por isso, o mais forte;

i) entendemos que o instituto da arbitragem é aplicável nas relações jurídicas trabalhistas individuais, unicamente quando findo o contrato de trabalho, mas com a adaptação necessária da Lei n.º 9.307/96 às relações laborais, sendo incabível a celebração de contrato de trabalho com cláusula compromissória de arbitragem, sob pena de rejeição de preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho quando argüida pelas empresas.

 

 

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