A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS ATRAVÉS DA ARBITRAGEM

Regina Maria Vasconcelos Dubugras
Mestre em Direito do Trabalho pela USP e Juiza do Trabalho da Vara de Ferraz de Vasconcelos - Segunda Região -
São Paulo.

Data: 23/06/2003

Parecia uma audiência trabalhista, o árbitro desempenhava o papel de juiz, as partes estavam acompanhadas por advogados e o representante da union (sindicato) tinha papel fundamental. A matéria discutida era familiar e as questões levadas ao árbitro tinham decisões embasadas em precedentes que pareciam jurisprudência, bem como em normas processuais adotadas pelas cortes judiciais. Não havia pressa para acabar, nem limites quanto ao número de testemunhas ou perguntas. O árbitro, que ganhava por hora, alí estava para instruir o processo pelo tempo necessário à critério das partes. A matéria a ser provada ocuparia no máximo duas horas de uma audiênia trabalhista enquanto que na sessão de arbitragem durou quase 12 horas. A transcrição integral somou 400 páginas com espaço duplo, bem pensado, as linhas vinham pré-numeradas o que tornava a consulta fácil. Mas haviam algumas diferenças, o juiz, ou melhor o árbitro, foi escolhido pelas partes, o local não parecia um ógão público, o árbitro seria pago pela union e pela empresa, a datilográva também foi contratada através de um empresa privada, o árbitro tinha prazo para entregar a decisão e esta não era recorrível mas fazia coisa julgada e podia ser executada na corte judicial. Assim são tratados os conflitos individuais trabalhistas nos Estados Unidos da América. Seria este um bom modelo?

Se procurarmos uma causa trabalhista nas cortes judiciais americanas provavelmente vamos encontrar algumas relativas à discriminação no emprego, o que está menos próximo dos chamados direitos trabalhistas e mais próximo dos direitos civís em decorrência da proteção legal oriunda do Civil Rights Act de 1964. A arbitragem é o meio de solução de conflitos individuais de trabalho entre empregados membros das unions e empregadores, mais praticado nos Estados Unidos. A maior parte dos contratos coletivos entre empresas e unions possuem a clásula de arbitragem obrigatória para a solução de questões surgidas pelo não cumprimento ou diferente interpretação e aplicação das normas coletivas. Tanto os empregados, em defesa de seus direitos individuais, quanto as unions, em defesa do integral cumprimento do contrato coletivo, podem iniciar uma grievance contra a empresa. Diante da grievance, alguns contratos coletivos prevêem a tentativa conciliatória através da mediação antes da arbitragem, em outros casos a disputa vai diretamente para arbitragem. Diante da consolidação da prática da arbitragem dentro das relações trabalhistas, a chamada grievance equivale à ação trabalhista, ou seja o meio adequado para acionar a arbitragem reconhecida e legitimada legalmente para fazer valer o direito material constante no contrato coletivo.

Nos Estados Unidos a arbitragem trabalhista é vista como uma forma célere, acessível, confiável, eficiente e financeiramente vantajosa para as partes na solução de conflitos. Ela é rápida diante do grande número de árbitros particulares disponíveis no mercado, havendo total flexibilidade na escolha do árbitro. A escolha do local e o serviço de suporte como por exemplo da datilógrafa que também é contratada no mercado privado, ocorre conforme conveniência das partes. A arbitrágem leva pouco tempo para ser concluída porque não é passível de recurso e o árbitro só deve aceitar o caso se tiver condições de decidir dentro do prazo determinado por normas profissionais. Ela é acessível ao empregado porque é promovida através das unions que é o órgão sindical que visa proteger e defender os direitos o cumprimento do contrato coletivo. Assim, diante do conflito, o empregado procura diretamente a union que está incumbida de encaminhar a reclamação através de seus próprios advogados ou contratados e pagos pela mesma. Para os americanos a arbitragem é confiável porque as partes em consenso escolhem e pagam os árbitros, ou seja, dentro de um mercado privado, quanto mais honesto e justo for o árbitro mais vêzes será escolhido pelas partes sendo estas os princípais agentes de fiscalização do trabalho e da honestidade dos árbitros. A arbitragem é considerada eficiente em razão da qualidade profissional dos árbitros que se estruturam no mercado, bem como da ausência de restrições de tempo na produção de provas, ou seja, como o árbitro ganha por hora ele não tem limitação de tempo, deixando as partes livres para produzirem as provas orais e documentais que julgarem necessárias. Tanto para as empresas como para as unions, o custo dos honorários dos árbitros que é considerado alto para o padrão brasileiro, é considerado bem mais baixo do que o custo de um processo na corte judicial.

Em momento de busca de meios alternativos de solução de conflitos e do reconhecimento da legitimidade da arbitragem no Brasil, nos vem a indagação quanto a viabilidade e a funcionabilidade da arbitragem trabalhista no panorama brasileiro. A cultura brasileira, principalmente no que concerne à Justiça do Trabalho, tem como princípios básicos da prestação jurisdicional ser ela pública e gratuíta e como atributo fundamental, deve ser acessível (no sentido da proteção constitucional do direito de ação) eficiente e célere. Tais fatos nos levam a crer que o modelo americano não é compatível com a realidade brasileira. Diante de uma cultura marcada pela expectativa de um serviço oferecido com exclusividade pelo governo de forma gratuíta ou a baixo custo seria um desafio mobilizar os sindicatos e empresas a pagarem árbitros, os quais provavelmente seriam mais dispendiosos do que as custas trabalhistas. Outro aspecto é a crença segundo a qual para ser confiável precisa haver uma estrutura, de preferência governamental, que tenha como objetivo o controle do profissional para que ele atue de forma segura no exercício do poder. É difícil para nossa cultura admitir um juiz privado e paralelo cuja decisão tenha força de coisa julgada e seja irrecorível. Saliente-se que diante de um corpo de juízes trabalhistas especializados não haveria grande vantagem para as partes pagarem um árbitro, exceto por interesse em uma decisão mais rápida, o que geralmente ocorre com o trabalhador e não com a empresa.

Logo, podemos concluir que a arbitragem trabalhista americana não é compatível com a realidade atual brasileira, porque aquela está embasada em uma cultura jurídica decorrente de um sistema emergente de pouca intervenção governamental, onde os empregados e unions conquistam direitos, ao invez de recebê-los através das leis, e na mesma tendência procuram meios próprios de solução de conflitos ao invez de esperarem que o estado o faça através das cortes judiciais. Ao contrário do sistema brasileiro que foi desenvolvido e estruturado sobre um poder judiciário trabalhista que é acessível, barato, especializado e dentro de um contexto geral, eficiente quanto a qualidade e praticidade, contudo não consegue ser celere em algumas regiões em razão da grande demanda e por isso necessita de meios suplementares alternativos e/ou judiciais para alcançar a celeridade.

 

 

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